Comida · Food

Will we really stop cooking soon?

Photography by Carla Rocha

A lot has changed about food in the last few decades. It’s true that the younger generations in particular cook much less than their predecessors. Eating most meals outside the home has become the norm for those who work outside the home. In addition, with the proliferation of delivery services, ordering food to go has become commonplace, especially in large cities and for those who can afford it. But are we heading towards a time when we will no longer cook?

In a recent article in Folha de São Paulo newspaper, the CEO and owner of iFood, the largest delivery platform in Latin America, said he believes that in five to ten years, when ordering delivery of quality, healthy food becomes as cheap as buying ingredients at the market and preparing it at home, people will stop cooking.

For the mega-entrepreneur, cooking will become a thing of the past, just as we no longer make clothes or educate our children at home. A comparison that doesn’t seem to make much sense.

Despite all the promises of the industrialization of food, we use utensils that make it easier to prepare a dish, and we use a lot of pre-prepared ingredients, but we never stop cooking altogether. The prediction that microwaves would be the great revolution in our homes, where all we had to do was buy ready meals and heat them up for a few minutes or seconds, wasn’t quite true either. It may have made life easier in the kitchen, it may even have become the ubiquitous solution for some, but that doesn’t mean we’ve stopped cooking.

The motivations that lead someone to eat most of their meals out or order takeout on a regular basis are varied. They usually have to do with a lack of time, a lack of cooking skills, little incentive to cook, or even a lack of a kitchen. On the other hand, in Brazil, the largest country in South America, cooking at home is more economical, especially for those with less purchasing power. But it’s not only a financial question.

We don’t completely outsource the act of cooking either, because it can be a pleasure. For many of us, choosing the ingredients, buying them, creating or following a prepared recipe to the letter is undoubtedly a hedonistic practice. For some, it’s even considered therapy, an exercise to relieve stress from our increasingly demanding daily lives.

Será que em breve realmente deixaremos de cozinhar?

Nas últimas décadas, muitas coisas vêm mudando na alimentação. É certo que, principalmente as novas gerações, cozinham muito menos do que as anteriores. Hoje, fazer a maior parte das refeições fora de casa já virou a regra para quem trabalha fora. Além disso, pedir tele-entrega de comida é algo também bastante comum com a disseminação desse serviço, sobretudo nas grandes cidades e para quem pode incluir essa opção em seu orçamento. Mas será que estamos nos encaminhando para uma época em que já não cozinharemos mais?

Em matéria recente no jornal Folha de São Paulo, o CEO e proprietário do iFood, a maior plataforma de entregas da América Latina, afirmou acreditar que entre cinco e dez anos, quando pedir comida de qualidade e saudável feita na rua se tornar tão barato quanto comprar ingredientes no mercado e prepará-la em casa, as pessoas deixarão de cozinhar.

Para o megaempresário, assim como não se confecciona mais roupas ou se educa as crianças em casa, cozinhar se transformará em coisa do passado. Uma comparação que não parece fazer muito sentido. 

Apesar de todas as promessas da industrialização alimentar, utilizamos utensílios que facilitam o preparo de um prato e também muitos ingredientes pré-prontos, mas nunca deixamos de cozinhar totalmente. O prognóstico de que o micro ondas seria a grande revolução nos lares, bastando comprar comida pronta e esquentá-la por poucos minutos ou segundos também não foi muito preciso. O aparelho facilitou a vida na cozinha, pode até ter se tornado a solução onipresente para alguns, mas nem por isso deixamos de cozinhar.

As motivações que levam alguém a fazer a maior parte das refeições fora de casa ou pedir comida regularmente são diversas. Geralmente, têm relação com falta de tempo, ausência de habilidade culinária, pouco estímulo para cozinhar ou até mesmo a inexistência de uma cozinha. Por outro lado, tomando como parâmetro o Brasil, o maior país sul-americano, cozinhar em casa é acima de tudo mais econômico, em particular, para as camadas com menor poder aquisitivo. Mas não é apenas uma questão financeira. 

Não terceirizamos completamente o ato de cozinhar também porque é algo que pode ser prazeroso. Para muitos de nós, escolher os ingredientes, comprá-los, criar ou seguir à risca uma receita pronta é, sem dúvidas, uma prática hedonista. Para alguns, é considerada até mesmo uma terapia, um exercício para desestressar de nossos cotidianos cada vez mais exigentes.

Nem é necessário que seja um prato muito elaborado. Muitas vezes, é através do preparo daquela receita absolutamente simples, já gravada em nossos gestos de tão repetida, que sentimos um aconchego interno bem antes da primeira garfada. É como a sensação de vestir um calçado confortável depois de horas de caminhada ou como voltar para um lugar conhecido em que não há nada a se temer.  

Food

Homemade Food

Photography by Carla Rocha – The homemade food prepared by my sister

Yesterday, my sister cooked for me. I hadn’t eaten anything prepared by her for months, as we don’t meet very often since she lives in another state. But it’s great to have the opportunity to try her food because she’s always enthusiastic about cooking and this enthusiasm is reflected in all the dishes she prepares, it’s like an extra spice. But that’s not all.

Eating the food prepared by my sister reminded me that the idea of home cooking is becoming increasingly important. In our busy daily lives, where we rush around, overloaded and unable to meet all the commitments we have set ourselves, someone stopping their activities, “suspending time”, and dedicating themselves to cooking for one or other people has become an enormous privilege, especially for those who enjoy this food.

For many of us, cooking at home has become synonymous with unnecessary or unfeasible work, which mainly involves “wasting time”. And this is legitimate when we live in a system where our daily activities are regulated by the maxim that “time is money”. What’s more, there are people who can’t cook or who cook begrudgingly because they’re not interested in the subject of cooking, and that’s not necessarily a problem either. In many situations, when we receive someone to eat at our home, it is undoubtedly much easier to order a pizza or some other of the countless culinary offerings available today.

In Brazil, for example, many restaurants have tried to convince us that they prepare homemade food, as if this type of food could be summed up in certain ingredients and a method of preparation. The taste of home-cooked food in a restaurant is always going to be what we see on the labels of many processed products: “with imitation flavor”. In other words, some restaurants reproduce a flavor similar to home-cooked food, but it’s unlikely to be the same, and that’s because home is not necessarily the place, but the people, the bonds between them, the memory, the stories that happen around the stove.

That’s also why food from home will never be judged for improvisation or imprecision in its preparation. When the pasta is a little overcooked, the sauce a little thinner or the meat a little dry, we don’t go online to give it more or less stars. Homemade food is always forgiven.

Comida de Casa

Ontem, minha irmã cozinhou para mim. Havia meses eu não comia algo preparado por ela, pois não nos encontramos com muita frequência, já que ela vive em outro estado. Mas é muito bom ter a oportunidade de provar sua comida porque ela é sempre entusiasmada para cozinhar e esse entusiasmo se reflete em todos os pratos que ela prepara, é como se fosse um tempero extra. Mas não é somente isso.  

Comer a comida preparada pela minha irmã me fez lembrar que a ideia de comida de casa vem adquirindo um significado cada vez mais importante. Em nossos cotidianos atribulados, em que corremos de um lado para o outro, sobrecarregados, sem conseguir dar conta de todos os compromissos que nos tínhamos proposto, alguém parar suas atividades, “suspender o tempo”, e se dedicar a cozinhar para uma ou outras pessoas se tornou um enorme privilégio, especialmente para quem desfruta dessa comida. 

Para muitos de nós, cozinhar em casa virou sinônimo de trabalho desnecessário ou inviável, que envolve sobretudo “perda de tempo”. E isso é algo legítimo quando vivemos em um sistema em que nossas atividades diárias são reguladas pela máxima de que “tempo é dinheiro”. Além do mais, existem pessoas que não sabem cozinhar ou que cozinham a contragosto porque não se interessam pelo tema da cozinha, e isso também não é necessariamente um problema. Em muitas situações, ao receber alguém para comer em nossa casa, é sem dúvidas muito mais fácil pedir uma pizza ou alguma outra das inúmeras ofertas culinárias hoje disponíveis através de aplicativos. 

No Brasil, por exemplo, muitos restaurantes têm tentado nos convencer que preparam uma comida caseira, como se essa modalidade de comida se resumisse a certos ingredientes e um modo de preparo. O sabor da comida caseira em um restaurante sempre vai ser aquele que identificamos em rótulos de muitos produtos processados: “com sabor imitação de”, ou seja, alguns restaurantes reproduzem um sabor semelhante ao da comida de casa, mas dificilmente será a mesma coisa, e isso porque a casa não é necessariamente o lugar, e sim as pessoas, os laços entre elas, a memória, as histórias que acontecem em torno do fogão. 

E também por isso, comida de casa é a que jamais será julgada pelo improviso ou imprecisão no seu preparo. Quando o macarrão passa um pouquinho do ponto, o molho fica mais fino ou a carne um pouco ressecada não vamos para a internet fazer qualquer avaliação com mais ou menos estrelas. À comida de casa sempre se concede perdão.