Comida · Food · Italy · Sicily

Prickly pear and the future of food 

Photography by Carla Rocha – Prickly pears in Sicily

In my mind, the image of a garden of delights would be one full of fruit. I’ve loved fruit since childhood, it was something that could never be missing at home. I’m always curious to try varieties I don’t know yet and it’s an even more special pleasure when I can pick the fruit straight from the tree. 

On a trip to the Sicily region of Italy, walking along some streets in the town of Messina, I came across several cacti full of prickly pears (Opuntia ficus). Unlike other fruits, I restrained myself from picking them straight from the tree because almost the entire surface of the fruit is covered in thorns, requiring a certain amount of care when picking them. 

The prickly pear is a fruit that has been cultivated for millennia in Central America and in dry tropical and subtropical regions of the world. It is found in several countries, including some in Europe, where it was introduced in the 16th century by Spanish sailors. In Brazil, it is grown in the northeastern states. 

As I hadn’t yet had the opportunity to find this fruit in Brazil, I took the opportunity to try it in Italy. The taste is somewhat similar to watermelon. I confess that the prickly pear didn’t completely win over my taste buds, but the opportunity to taste it and see how it is valued and consumed in some countries made me think about the future of our diet, more specifically, how we underestimate or don’t take advantage of many foods as we could or should. 

In southern Italy, as well as being eaten fresh, the prickly pear is found as a base for jams, jellies, ice creams, drinks or as dried fruit for later consumption. It can even be found in restaurants served as a dessert. 

Photography by Carla Rocha – prickly pear in a market in Sicily

In Brazil, the prickly pear is eaten fresh or in some recipes in the northeast region, where it is found. Brazil is the world’s largest producer of “forage palm” (Nopalea cochenillifera), the name by which the prickly pear paddle is known in the country. Despite the plant’s nutritional benefits, as it is rich in calcium, vitamin C and magnesium, most of its cultivation in Brazil is destined for animal feed. 

In Mexico, on the other hand, we have a very clear example of how to make the most of a plant. In that country, the prickly pear is eaten fresh, in the form of juices, jellies and cocktails, but it is mainly the prickly pear paddles that plays a leading role in human nutrition. Known in this country as nopal, the cactus racket is considered a staple food by the population. As well as being present in a wide variety of food and drink recipes, the nopal is considered a symbol of Mexican identity, even featuring on the country’s flag. In addition, this species of cactus is also cultivated as a host plant for the cochineal insect, which feeds on the cactus’ sap to produce carminic acid, a dark red dye used in food, various drinks and also in cosmetics and textiles.

Valdely Kinupp, a Brazilian botanist and author of the book “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil” (in which the forage palm is included), notes that most of the food available in the world comes from 20 types of plants, although it is estimated that 30,000 plant species have edible parts. Many of these plants that could be part of the human diet are completely neglected or underused. The result is that dietary diversity is being progressively reduced in favor of an increasingly nutrient-poor diet. 

Photography by Carla Rocha – Peeled prickly pear

According to Taras Grescoe, author of the book The lost supper: searching for the future of food in the flavors of the past, instead of the standard global diet, based on industrial monocultures, the destruction of the planet and our health, future food security would lie in the genetic wealth offered by forgotten and almost lost foods. For this author, we should look to the past and the food diversity that has existed throughout our existence and which is being lost. 

Therefore, the reference to the prickly pear to think about the future of food was to highlight just one of many other fruits and plants that are ignored or not exploited as they could or should be. Taking into account the current food landscape, which is increasingly based on predatory agro-industry, if we don’t try to make positive use of what is left of the planet’s biodiversity, the future of food can be much more thorny than the bark of the prickly pear.

Figo-da-índia e o futuro da alimentação

Na minha mente, a imagem de um jardim das delícias seria aquele repleto de frutas. Adoro frutas desde a infância, era algo que nunca podia faltar em casa. Sempre tenho curiosidade de provar variedades que ainda não conheço e um prazer ainda mais especial quando posso colher a fruta direto da árvore. 

Em uma viagem pela região da Sicília, na Itália, caminhando por algumas ruas da cidade de Messina, encontrei vários cactos repletos de figo-da-índia. Ao contrário de outras frutas, me contive em colhê-los diretamente do pé porque quase toda a superfície da fruta é coberta por espinhos, exigindo um certo cuidado na hora de apanhá-los.

O figo-da-índia é uma fruta cultivada há milênios na América Central e em regiões tropicais e subtropicais secas do mundo. É encontrada em diversos países, incluindo alguns da Europa, onde teria sido introduzida no século XVI por marinheiros espanhóis. No Brasil, é cultivada em estados da região nordeste. 

Como ainda não havia tido a oportunidade de encontrar essa fruta no Brasil, aproveitei para prová-la na Itália. O sabor se assemelha um pouco ao da melancia. Confesso que o figo-da-índia não conquistou completamente o meu paladar, mas a oportunidade de prová-la e perceber como é valorizada e consumida em alguns países me fez pensar no futuro da nossa alimentação, mais especificamente, em como subestimamos ou não aproveitamos inúmeros alimentos como poderíamos ou deveríamos. 

Na região sul da Itália, além de ser consumido fresco, o figo-da-índia é encontrado como base para geleias, compotas, sorvetes, bebidas ou então na forma de fruta seca para consumo posterior. Pode-se encontrar até mesmo em restaurantes servida como sobremesa. 

No Brasil, o figo-da-índia é consumido fresco ou em algumas receitas na região nordeste, onde é encontrado. O Brasil é o maior produtor mundial da palma forrageira (Nopalea cochenillifera), nome pelo qual é conhecido no país o cacto de onde provém o figo-da-índia. Apesar dos benefícios da planta em termos nutricionais, já que é rica em cálcio, vitamina C e magnésio, a maior parte do seu cultivo no Brasil é destinado à alimentação animal. 

Já no México, podemos ter um exemplo bem nítido de como se pode aproveitar ao máximo uma planta. Nesse país, o figo-da-índia é consumido fresco, em forma de sucos, geleias e coquetéis, mas é principalmente o cacto que ganha protagonismo na alimentação humana. Conhecido nesse país como nopal, a “raquete” do cacto é considerada um alimento básico pela população. Além de estar presente nas mais diversas receitas de comidas e bebidas, o nopal é considerado um símbolo da identidade mexicana, presente até mesmo na bandeira do país. Além disso, esta espécie de cacto também é cultivada como planta hospedeira do inseto cochonilha, que se alimenta da seiva do cacto para produzir o ácido carmínico, um corante vermelho escuro utilizado em alimentos, diversas bebidas e também em cosméticos e tecidos. 

Valdely Kinupp, botânico brasileiro e autor do livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil” (no qual a palma forrageira está incluída), observa que a maior parte dos alimentos disponíveis no mundo são provenientes de 20 tipos de plantas, embora seja estimado que 30 mil espécies vegetais possuam partes comestíveis. Muitas dessas plantas que poderiam integrar a alimentação humana são absolutamente negligenciadas ou pouco utilizadas. O resultado é que a diversidade alimentar vai sendo progressivamente reduzida em favor de uma dieta cada vez mais pobre em nutrientes. 

De acordo com Taras Grescoe, autor do livro The lost supper: searching for the future of food in the flavors of the past, em vez da dieta padrão global, baseada nas monoculturas industriais, na destruição do planeta e da nossa saúde, a segurança alimentar futura residiria na riqueza genética oferecida pelos alimentos esquecidos e quase perdidos. Para esse autor, deveríamos olhar para o passado e para a diversidade alimentar vigente ao longo da nossa existência e que vem se perdendo. 

Portanto, a referência ao figo-da-índia para pensar o futuro da alimentação foi para salientar apenas uma dentre tantas outras frutas e plantas ignoradas ou não exploradas como poderiam ou deveriam. Levando em conta o panorama alimentar atual, cada vez mais baseado na agroindústria predatória, se não tentarmos aproveitar positivamente o que ainda resta da biodiversidade do planeta, o futuro da alimentação pode ser muito mais espinhoso que a casca do figo-da-índia.

Comida · Food · Italy · Sicily

A market in Sicily and the local culinary grammar

Photography by Carla Rocha – Market in Sicily

The author of the phrase “markets are the stomachs of cities” remains unclear, but this definition resonates deeply when we look at these places. In them, we can closely observe the eating habits of the local population, the seasonality of certain foods, and the basic ingredients of local and regional recipes. What’s more, these spaces reveal a great deal about everyday life in cities.

In recent years, we have witnessed a phenomenon of gentrification in various food markets around the world. Many of them have been transformed into places that more closely resemble gourmet boutiques, in line with the growing trend toward the “gourmetization” of food. This in turn can be interpreted as a process of homogenization in which these spaces lose their uniqueness, history and identity. They become “non-places”, as the anthropologist Marc Augé would define them.

Photography by Carla Rocha – variety of eggplants

Phography by Carla Rocha – variety of beans

Whenever I visit a new city, I take the time to explore a local market. It’s as if in these places I find clues to unraveling the grammar of a region’s food culture. It is a rare privilege these days to find a market with local products, away from the tourist crowds and frequented mainly by the local population.

Recently, while exploring the charming city of Messina in Sicily, southern Italy, I had the opportunity to visit the Sant’Orsola market. Although it’s a small market, with proportions in the “human dimension,” as a friend would say, it made me think about the fundamental role that markets play in cities.

Photography by Carla Rocha – Caper

As I walked around the stalls, the vendors proudly offered me their wares. One of the regulars noticed my interest in capturing the essence of the place and willingly stood in front of my camera to be photographed, assuring me that he would be there if I needed anything. Amidst the variety of local products I had recently discovered, I felt at home.

Messina is a relatively small city of about 250,000 people, but its history is rich and fascinating. Situated on the shores of the Mediterranean Sea, Messina has always been a crossroads for other regions of Italy, which over the centuries has favored invasions and the influence of various peoples, such as the Phoenicians, Greeks, Romans, Byzantines, Arabs, Turks, Spaniards and French, which is vividly reflected in its cuisine.

Photography by Carla Rocha – Fish cuts

In the last two centuries, the city has faced earthquakes, malaria outbreaks and the devastation caused by the Second World War. The market of Sant’Orsola is an essential part of this history, where you can find foods that are a testimony of Sicily’s history, such as salted capers, olives, Stocco fish, prickly pears, a variety of aubergines, peppers and tomatoes, as well as a variety of seasonal fruits and vegetables.

Photography by Carla Rocha Sant’Orsola Market

Despite its precarious construction, the market of Sant’Orsola is a living part of Sicily, a region that in a certain way concentrates the memory of the past and the resistance to change. It is the antithesis of the words of Giuseppe Tomasi di Lampedusa in “The Leopard” (Il Gattopardo), when he referred to the processes of modernization in Sicily in the 19th century: “If we want everything to remain as it is, everything must change.”

Nevertheless, this market is a living testimony to Sicily’s rich culinary heritage and the resilience of its food culture in the face of changing times.

Um mercado na Sicília e a gramática culinária local

A autoria da frase “os mercados são o estômago das cidades” permanece incerta, mas essa definição ressoa de maneira profunda quando consideramos esses locais. Neles, podemos observar de perto os hábitos alimentares da população local, a sazonalidade de certos alimentos e os ingredientes fundamentais das receitas locais e regionais. Além disso, esses espaços revelam muito sobre a vida cotidiana das cidades.

Nos últimos anos, temos testemunhado um fenômeno da gentrificação em diversos mercados de alimentos ao redor do mundo. Muitos deles têm se transformado em locais que mais se assemelham a butiques gourmet, alinhados com a crescente tendência de “gourmetização” da alimentação. Isso, por sua vez, pode ser interpretado como um processo de homogeneização, no qual esses espaços perdem sua singularidade, sua história e sua identidade. Eles se tornam “não-lugares”, como definiria o antropólogo Marc Augé.

Sempre que visito uma nova cidade, reservo um tempo para explorar algum mercado local. É como se nesses lugares eu encontrasse pistas para desvendar sobretudo a gramática da cultura alimentar de uma região. Encontrar um mercado com produtos locais, longe do agito turístico e frequentado principalmente pela população da cidade, é um privilégio raro nos dias de hoje.

Recentemente, enquanto explorava a encantadora cidade de Messina, na Sicília, sul da Itália, tive a oportunidade de conhecer o mercado Sant’Orsola. Embora seja um mercado pequeno, com proporções na “dimensão humana”, como diria um amigo, ele me levou a refletir sobre o papel fundamental que os mercados desempenham nas cidades.

Enquanto percorria as barracas, os comerciantes me ofereciam seus produtos com orgulho. Um dos frequentadores percebeu meu interesse em capturar a essência do local e se colocou voluntariamente diante da minha câmera, pronto para ser fotografado, assegurando-me que estaria à disposição caso eu precisasse de algo. Em meio à variedade de produtos locais que recentemente havia descoberto, me senti em casa.

Messina é uma cidade de porte relativamente pequeno, com cerca de 250 mil habitantes, mas sua história é rica e fascinante. Localizada às margens do Mediterrâneo, Messina sempre foi um ponto de passagem para outras regiões da Itália, o que ao longo dos séculos favoreceu invasões e, em consequência, a influência de diversos povos, como os fenícios, gregos, romanos, bizantinos, árabes, turcos, espanhóis e franceses, refletindo-se vividamente em sua culinária.

Nos últimos dois séculos, a cidade enfrentou terremotos, surtos de malária e a devastação causada pela Segunda Guerra Mundial. O mercado Sant’Orsola, em sua essência, encapsula essa história, incorporando os alimentos que são testemunhas da trajetória da Sicília, como alcaparras salgadas, azeitonas, peixe stocco, figo-da-índia, variedade de berinjelas, pimentões e tomates, além de uma diversidade de frutas, verduras e legumes da estação.

Apesar da sua edificação precária, o mercado Sant’Orsola é uma parte viva da Sicília, uma região que, de certa forma, concentra a memória do passado e uma resistência à mudança. Ele representa uma antítese das palavras de Giuseppe Tomasi di Lampedusa em “O Leopardo” (Il Gattopardo), quando se referiu aos processos de modernização da Sicília no século XIX: “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude.”

Mesmo assim, esse mercado não deixa de ser um testemunho vivo da rica herança culinária da Sicília e da resiliência de sua cultura alimentar em face das transformações do tempo.