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  • Is a meatless world possible?

    Vegan Restaurant in São Paulo – Photography by Carla Rocha

    I opened X (formerly Twitter) and the discussion was about a special cut of imported vacuum-packed meat sold in Brazil at a much better price than similar meat, but with signs of contamination by medullary osteomelitis. The conversation went on and on, with one participant stressing the importance of checking the origin of the meat before buying it, another questioning the possibility of contamination by ingestion, and so on.

    My mind began to wander. No one was considering whether it wouldn’t be safer to simply stop eating meat, or questioning the current meat industry and how we have become hostages to an increasingly unhealthy and predatory agri-food system.

    Soon after, I left the house and headed to Rua Augusta in São Paulo. I walk down Rua Fernando de Albuquerque and soon come across a vegan ice cream parlor. A few meters ahead, I saw a line of people waiting their turn to enter a vegan restaurant. Further on, across the street, I saw the sign of a vegan fast-food restaurant.

    The meat- and animal-free food options in São Paulo and many other cities in Brazil and around the world reflect a change. It used to be much harder to find this type of food, and the offerings were much more creative than a few decades ago, to the point where the absence of meat was barely noticeable. The idea of bland, tasteless vegan or vegetarian food is a thing of the past.

    We know that our eating behavior is primarily the result of cultural construction. We learn from an early age what to eat and what not to eat. Furthermore, the adoption of veganism or vegetarianism goes beyond a stance on environmental issues; it can include ethical considerations in relation to animals, spiritual aspects, health concerns, among others.

    However, in the current climate where the agri-food system, including meat production, has become one of the biggest environmental problems, there may come a time sooner than we think when we will no longer have a choice. Instead of meat, we will have to look for other sources of protein.

    It shouldn’t be as difficult as it sounds, and we should already be getting more and more comfortable with the idea. After all, dietary diversity is our great advantage as omnivores.

    É possível um mundo sem carne?

    Abri o X (antigo Twitter) e a discussão era sobre uma carne a vácuo importada, de corte especial, e vendida no Brasil com preço bem mais vantajoso que as similares, porém com indícios de contaminação por osteomelite medular. A conversa se estendeu, com um participante enfatizando a importância de verificar a origem da carne antes da compra, enquanto outro questionava a possibilidade de contaminação por ingestão, e assim por diante.

    Minha mente começou a divagar. Ninguém cogitou se não seria mais seguro simplesmente deixar de comer carne ou questionou mais a fundo a indústria da carne atual e como nos tornamos reféns de um sistema agroalimentar cada vez mais insalubre e predatório.

    Logo em seguida saio de casa em direção à rua Augusta, em São Paulo. Sigo pela rua Fernando de Albuquerque e logo me deparo com uma sorveteria vegana. Poucos metros à frente, vejo uma fila de pessoas aguardando a vez para entrar em um restaurante vegano. Mais adiante, do outro lado da rua, avistei o letreiro de um “fast food” vegano.  

    As ofertas de comida sem carne ou sem derivados animais em São Paulo e em muitas outras cidades no Brasil e no mundo são um reflexo de uma certa mudança. Já foi bem mais difícil encontrar esse tipo de opção alimentar e com propostas bem mais criativas que algumas décadas atrás, a ponto de quase nem se notar a ausência da carne. A ideia de uma comida vegana ou vegetariana desfigurada, sem muito gosto, é coisa do passado.

    Sabemos que nosso comportamento alimentar é, acima de tudo, fruto de uma construção cultural. Aprendemos desde cedo o que comer e o que não comer. Além disso, adotar o veganismo ou o vegetarianismo vai além de uma postura em relação às questões ambientais; pode abranger considerações éticas em relação aos animais, aspectos espirituais, preocupações com a saúde, entre outros.

    No entanto, na conjuntura atual, em que o sistema agroalimentar, incluindo a produção de carne, se tornou um dos maiores problemas ambientais, talvez mais cedo do que imaginamos chegue um momento em que não tenhamos mais escolha. No lugar da carne, deveremos forçosamente buscar outras fontes de proteína.

    Não deveria ser algo tão difícil como parece e já deveríamos começar a nos familiarizar cada vez mais com a ideia. Afinal, a diversidade alimentar é a grande vantagem da nossa condição de onívoros. 

  • Photography by Carla Rocha

    Recently, while walking in Florianópolis, I was surprised to see a notice on the front of a pharmacy announcing the arrival of a shipment of Ozempic, a drug developed to treat type 2 diabetes and also used for weight loss.

    This scene reminded me of the pandemic period, when it was common to walk by these establishments (at least in Brazil) and find similar notices informing about the availability of protective masks or home tests to detect COVID-19, after these items became popular.

    Usually, such notices appear when a product sells out quickly due to high demand. The high consumption of Ozempic in Brazil does not necessarily mean that it is used exclusively by people with diabetes or obesity.

    Images in the media of celebrities appearing very thin from one moment to the next have contributed to the idea that this drug can be used indiscriminately to achieve an “ideal weight” (or rather a more accepted weight). The social pressure for a slim body, especially for women, has made the use of Ozempic an alternative for losing weight, even for those who have no medical indication.

    On the other hand, not everyone who needs this medication can consciously buy it because of its high cost. In Brazil, a month’s supply of the drug costs about R$950.00 (about $190).

    According to the WHO, there are more than 1 billion obese people in the world. In Brazil alone, one in four adults is considered obese, according to the Ministry of Health.

    The rise in obesity and type 2 diabetes, which is largely related to excess weight, is a problem that cannot be solved with drugs alone. Several factors contribute to obesity. One of them is the poor quality of food, with the consumption of products with low nutritional value and high caloric value, rich in fat and sugar.

    To combat obesity effectively, it is essential to implement preventive measures and promote improvements in people’s quality of life. The food supply plays a crucial role in this scenario. Unfortunately, until policies are implemented that encourage the consumption of more nutritious foods and restrict the marketing of ultra-processed products, it is very likely that we will not make significant progress in addressing this challenge.

    Until then, at least for a minority, it’s easier to believe that Ozempic may be the most viable solution.

    A epidemia relacionada ao Ozempic

    Enquanto caminhava em Florianópolis, fui surpreendida por um aviso na fachada de uma farmácia anunciando a chegada de uma remessa de Ozempic, um medicamento desenvolvido para tratar diabetes tipo 2 e utilizado também para auxiliar na perda de peso.

    Essa cena me fez recordar do período da pandemia, quando era comum passar por esses estabelecimentos (pelo menos no Brasil) e encontrar avisos semelhantes, informando sobre a disponibilidade de máscaras de proteção ou testes caseiros para detecção da COVID-19, após esses itens se tornarem populares.

    Geralmente, avisos como esses ocorrem quando um produto se esgota rapidamente em razão da alta demanda. O alto consumo de Ozempic no Brasil não quer dizer necessariamente que a utilização deste remédio vem sendo usado exclusivamente por pessoas com diabetes ou obesidade. 

    Imagens na mídia de celebridades aparecendo muito magras de uma hora para a outra vêm contribuindo para fortalecer a ideia de que este remédio pode ser usado de forma indiscriminada para se chegar a um “peso ideal” (ou melhor, um peso mais aceito). A pressão social por corpos magros, especialmente no que diz respeito às mulheres, transformou o consumo do Ozempic em uma alternativa para emagrecer até mesmo para quem não tenha indicação médica. 

    Em contrapartida, nem todos que necessitam dessa medicação podem comprá-la deliberadamente, devido ao seu alto custo. No Brasil, o valor de uma caneta da medicação para uso mensal custa por volta de R$ 950,00 (cerca de $190). 

    Dados da OMS mostram que há mais de 1 bilhão de pessoas com obesidade no mundo. Somente no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, um a cada quatro adultos é considerado obeso. 

    O aumento da obesidade e, consequentemente, da diabetes tipo 2, já que esta é em grande parte associada ao excesso de peso, consistem em um problema que não deveria ser enfrentado apenas através da medicação. Vários fatores levam à obesidade. Um deles é a alimentação de má qualidade, com a ingestão de produtos de pouco valor nutritivo e de alto valor calórico, ricos em gordura e açúcar. 

    Para combater a obesidade de forma eficaz, é essencial implementar ações preventivas e promover a melhoria da qualidade de vida das populações. A oferta alimentar desempenha um papel crucial nesse cenário. Enquanto não houver a implementação de políticas que incentivem o consumo de alimentos mais nutritivos e restrinjam a comercialização de produtos ultraprocessados, infelizmente, é muito provável que não teremos um avanço significativo para superar esse desafio.

    Até lá, ao menos para uma minoria, é mais fácil acreditar que o Ozempic pode ser a solução mais viável. 

  • Food in toothpaste-like tubes, canned preparations, bags filled with a freeze-dried preparation. These are the main images of space food that we have seen since the first manned flight and the most recent voyages into space.

    After they were disseminated, these images left the impression that space food was a kind of ration, a minimalist portion much more focused on nourishing and sustaining the body than on actually feeding cultural aspects related to food. While these images are still prevalent, it seems that this idea of space food has been changing for some time.

    In this March, it was announced that a space travel company will be partnering with renowned Danish chef Rasmus Munk of Copenhagen’s Michelin-starred Alchemist restaurant to offer a gastronomic voyage into the stratosphere. The trip will take place in a space balloon at 30,000 meters above sea level for six hours. The idea is to watch the sunrise over the curvature of the earth and taste a special menu created by this chef for the “modest” price of $500,000 per person. Literally, a sky high price!

    There will only be six passengers per trip. Not bad to have a panoramic view like this while eating a meal prepared by a chef with two Michelin stars. A privilege for the few. An extravagance that seemed reserved for a much more distant future.

    Were it not for the fact that we live in such a troubled world, with so many pressing demands to invest in, it wouldn’t make much sense to see people spending mega fortunes on such fleeting moments of luxury. The total value of each of these trips would solve some hunger problems for many people. But the cause is noble. The money raised from the trips will be invested in gender equality in science and technology. A good cause!

    Um menu gastronômico nas alturas

    Comidas em tubos semelhantes aos de pasta de dente, preparações em lata,  saquinhos recheados de um preparo liofilizado. Essas são as principais imagens de comida espacial que conhecemos desde o primeiro vôo tripulado até as viagens mais recentes ao espaço. 

    Depois que foram disseminadas, essas imagens deixaram a impressão de que a comida espacial é uma espécie de ração, uma porção minimalista muito mais voltada para nutrir e sustentar o corpo do que propriamente alimentar aspectos culturais relacionados à comida. Embora essas imagens ainda prevaleçam, parece que essa ideia de comida espacial já vem sendo transformada há algum tempo. 

    Neste mês de março, foi divulgado que uma empresa de viagens espaciais, em parceria com o renomado chef dinamarquês Rasmus Munk, do restaurante estrelado Alchemist, em Copenhague, vai proporcionar uma viagem gastronômica na estratosfera. A viagem será em um balão espacial a 30.000 metros acima do nível do mar com duração de seis horas. A ideia é observar o nascer do sol sobre a curvatura da terra, degustando um menu especial criado por esse chef e pelo preço módico de U$ 500 mil por pessoa. Literalmente um valor nas alturas!!! 

    São apenas seis passageiros por viagem. Nada mal ter à frente um panorama desses enquanto se faz uma refeição de um chef com duas estrelas Michelin. Um privilégio para pouquíssimos. Uma extravagância que parecia reservada a um futuro bem mais distante. 

    Não fosse vivermos em um mundo tão problemático, com tantas demandas urgentes para se investir, ver pessoas gastarem mega fortunas em momentos de luxúria tão efêmeros parece algo que não faz muito sentido. O valor total de cada uma dessas viagem resolveria alguns problemas relacionados a fome para muitas pessoas. No entanto, a causa não deixa de ser nobre. O valor arrecadado com as viagens deve ser investido na equidade de gênero na ciência e na tecnologia. Uma boa causa!

  • Where is the cocoa?

    Photography by Carla Rocha

    On the eve of Easter, as every year, it’s impossible not to notice the flood of chocolate offers everywhere. Both in the media and in the various shops and supermarkets, the colorful packaging of chocolate eggs is highlighted weeks before the date. Every year, however, this celebration tastes saltier.

    In recent years, the price of Easter eggs in Brazil has become exorbitant. At the same time, chocolate bars have become more expensive and fewer in volume. And the changes don’t stop there.

    More than once, I’ve seen posts on social media from people asking if others have noticed a change in the taste of many of the chocolates sold in Brazil. You don’t have to be a chocolate expert to realize that the vast majority of these products contain less and less cocoa, in addition to more sugar and hydrogenated fats.

    The announced progressive shortage of cocoa is likely to lead to even more significant changes in the products derived from this fruit and their costs. An example of this is the recent increase in cocoa prices due to climatic problems and pests affecting cocoa trees in the world’s major producing countries, such as Côte d’Ivoire and Ghana.

    Although Brazil was once one of the world’s largest cocoa producers, the country’s supply does not meet demand. In contrast to the chocolates of the big brands, you’ll find here and there chocolates produced in Brazil, which are usually special and more expensive than the popular offers.

    I think it’s fair to pay more for chocolate from small producers. They don’t have the same tax incentives and advantages as the big transnational companies, and they don’t collude with child and slave labor, as has been denounced in cocoa production in African countries and Brazil.

    It has already been announced that cocoa-based chocolate will become a rare delicacy due to the climate crisis. So it seems that the vast majority of us, if we want to remember the pleasure of tasting chocolate, will have to settle for its aroma alone or resort to products with artificial cocoa flavoring, similar to so many other food simulacra in their ultra-processed version.

    Por onde anda o cacau?

    Às vésperas da Páscoa, como acontece todos os anos, é impossível não perceber a inundação de ofertas de chocolate em todos os lugares. Tanto nas mídias quanto nas diversas lojas e supermercados, o colorido das embalagens dos ovos de chocolate já ganha destaque semanas antes da data. No entanto, a cada ano, essa celebração tem um gosto mais salgado.

    Nos últimos anos, o preço dos ovos de Páscoa tem se tornado exorbitante no Brasil. Ao mesmo tempo, as barras de chocolate, além de mais caras, vêm diminuindo em volume. E as mudanças não param por aí.

    Mais de uma vez me deparei com publicações nas redes sociais de pessoas questionando se outras também têm notado a alteração do sabor de muitos chocolates vendidos no Brasil. Não é preciso ser um especialista em chocolate para perceber que a grande maioria desses produtos, além de possuírem mais açúcar e gordura hidrogenada, contém cada vez menos cacau.

    A anunciada escassez progressiva do cacau provavelmente resultará em alterações ainda mais marcantes nos produtos derivados desse fruto e em seu custo. Um exemplo disso é a recente alta nos preços do cacau, causada por problemas climáticos e pragas nos cacaueiros dos principais países produtores mundiais, como Costa do Marfim e Gana.

    Apesar de o Brasil já ter sido um dos maiores produtores mundiais de cacau, hoje sua oferta não atende à demanda do país. Em contraste com os chocolates das grandes marcas, encontramos aqui e ali chocolates produzidos no Brasil, geralmente especiais e com preço mais elevado que as ofertas populares.

    Considero justo pagar mais por um chocolate resultante do trabalho de pequenos produtores. Eles não têm os mesmos incentivos fiscais e vantagens das grandes empresas transnacionais e não são coniventes com o trabalho infantil e escravo, como tem sido denunciado na produção de cacau em países africanos e no Brasil.

    Já foi anunciado que, devido à crise climática, o chocolate à base de cacau se tornará uma iguaria rara. Assim, parece que a grande maioria de nós, se quiser rememorar o prazer de saborear um chocolate, terá que se contentar somente com o seu aroma ou então recorrer a produtos com sabor artificial de cacau, semelhantes a tantos outros simulacros de alimentos em sua versão ultraprocessada.

  • Will we really stop cooking soon?

    Photography by Carla Rocha

    A lot has changed about food in the last few decades. It’s true that the younger generations in particular cook much less than their predecessors. Eating most meals outside the home has become the norm for those who work outside the home. In addition, with the proliferation of delivery services, ordering food to go has become commonplace, especially in large cities and for those who can afford it. But are we heading towards a time when we will no longer cook?

    In a recent article in Folha de São Paulo newspaper, the CEO and owner of iFood, the largest delivery platform in Latin America, said he believes that in five to ten years, when ordering delivery of quality, healthy food becomes as cheap as buying ingredients at the market and preparing it at home, people will stop cooking.

    For the mega-entrepreneur, cooking will become a thing of the past, just as we no longer make clothes or educate our children at home. A comparison that doesn’t seem to make much sense.

    Despite all the promises of the industrialization of food, we use utensils that make it easier to prepare a dish, and we use a lot of pre-prepared ingredients, but we never stop cooking altogether. The prediction that microwaves would be the great revolution in our homes, where all we had to do was buy ready meals and heat them up for a few minutes or seconds, wasn’t quite true either. It may have made life easier in the kitchen, it may even have become the ubiquitous solution for some, but that doesn’t mean we’ve stopped cooking.

    The motivations that lead someone to eat most of their meals out or order takeout on a regular basis are varied. They usually have to do with a lack of time, a lack of cooking skills, little incentive to cook, or even a lack of a kitchen. On the other hand, in Brazil, the largest country in South America, cooking at home is more economical, especially for those with less purchasing power. But it’s not only a financial question.

    We don’t completely outsource the act of cooking either, because it can be a pleasure. For many of us, choosing the ingredients, buying them, creating or following a prepared recipe to the letter is undoubtedly a hedonistic practice. For some, it’s even considered therapy, an exercise to relieve stress from our increasingly demanding daily lives.

    Será que em breve realmente deixaremos de cozinhar?

    Nas últimas décadas, muitas coisas vêm mudando na alimentação. É certo que, principalmente as novas gerações, cozinham muito menos do que as anteriores. Hoje, fazer a maior parte das refeições fora de casa já virou a regra para quem trabalha fora. Além disso, pedir tele-entrega de comida é algo também bastante comum com a disseminação desse serviço, sobretudo nas grandes cidades e para quem pode incluir essa opção em seu orçamento. Mas será que estamos nos encaminhando para uma época em que já não cozinharemos mais?

    Em matéria recente no jornal Folha de São Paulo, o CEO e proprietário do iFood, a maior plataforma de entregas da América Latina, afirmou acreditar que entre cinco e dez anos, quando pedir comida de qualidade e saudável feita na rua se tornar tão barato quanto comprar ingredientes no mercado e prepará-la em casa, as pessoas deixarão de cozinhar.

    Para o megaempresário, assim como não se confecciona mais roupas ou se educa as crianças em casa, cozinhar se transformará em coisa do passado. Uma comparação que não parece fazer muito sentido. 

    Apesar de todas as promessas da industrialização alimentar, utilizamos utensílios que facilitam o preparo de um prato e também muitos ingredientes pré-prontos, mas nunca deixamos de cozinhar totalmente. O prognóstico de que o micro ondas seria a grande revolução nos lares, bastando comprar comida pronta e esquentá-la por poucos minutos ou segundos também não foi muito preciso. O aparelho facilitou a vida na cozinha, pode até ter se tornado a solução onipresente para alguns, mas nem por isso deixamos de cozinhar.

    As motivações que levam alguém a fazer a maior parte das refeições fora de casa ou pedir comida regularmente são diversas. Geralmente, têm relação com falta de tempo, ausência de habilidade culinária, pouco estímulo para cozinhar ou até mesmo a inexistência de uma cozinha. Por outro lado, tomando como parâmetro o Brasil, o maior país sul-americano, cozinhar em casa é acima de tudo mais econômico, em particular, para as camadas com menor poder aquisitivo. Mas não é apenas uma questão financeira. 

    Não terceirizamos completamente o ato de cozinhar também porque é algo que pode ser prazeroso. Para muitos de nós, escolher os ingredientes, comprá-los, criar ou seguir à risca uma receita pronta é, sem dúvidas, uma prática hedonista. Para alguns, é considerada até mesmo uma terapia, um exercício para desestressar de nossos cotidianos cada vez mais exigentes.

    Nem é necessário que seja um prato muito elaborado. Muitas vezes, é através do preparo daquela receita absolutamente simples, já gravada em nossos gestos de tão repetida, que sentimos um aconchego interno bem antes da primeira garfada. É como a sensação de vestir um calçado confortável depois de horas de caminhada ou como voltar para um lugar conhecido em que não há nada a se temer.  

  • Homemade Food

    Photography by Carla Rocha – The homemade food prepared by my sister

    Yesterday, my sister cooked for me. I hadn’t eaten anything prepared by her for months, as we don’t meet very often since she lives in another state. But it’s great to have the opportunity to try her food because she’s always enthusiastic about cooking and this enthusiasm is reflected in all the dishes she prepares, it’s like an extra spice. But that’s not all.

    Eating the food prepared by my sister reminded me that the idea of home cooking is becoming increasingly important. In our busy daily lives, where we rush around, overloaded and unable to meet all the commitments we have set ourselves, someone stopping their activities, “suspending time”, and dedicating themselves to cooking for one or other people has become an enormous privilege, especially for those who enjoy this food.

    For many of us, cooking at home has become synonymous with unnecessary or unfeasible work, which mainly involves “wasting time”. And this is legitimate when we live in a system where our daily activities are regulated by the maxim that “time is money”. What’s more, there are people who can’t cook or who cook begrudgingly because they’re not interested in the subject of cooking, and that’s not necessarily a problem either. In many situations, when we receive someone to eat at our home, it is undoubtedly much easier to order a pizza or some other of the countless culinary offerings available today.

    In Brazil, for example, many restaurants have tried to convince us that they prepare homemade food, as if this type of food could be summed up in certain ingredients and a method of preparation. The taste of home-cooked food in a restaurant is always going to be what we see on the labels of many processed products: “with imitation flavor”. In other words, some restaurants reproduce a flavor similar to home-cooked food, but it’s unlikely to be the same, and that’s because home is not necessarily the place, but the people, the bonds between them, the memory, the stories that happen around the stove.

    That’s also why food from home will never be judged for improvisation or imprecision in its preparation. When the pasta is a little overcooked, the sauce a little thinner or the meat a little dry, we don’t go online to give it more or less stars. Homemade food is always forgiven.

    Comida de Casa

    Ontem, minha irmã cozinhou para mim. Havia meses eu não comia algo preparado por ela, pois não nos encontramos com muita frequência, já que ela vive em outro estado. Mas é muito bom ter a oportunidade de provar sua comida porque ela é sempre entusiasmada para cozinhar e esse entusiasmo se reflete em todos os pratos que ela prepara, é como se fosse um tempero extra. Mas não é somente isso.  

    Comer a comida preparada pela minha irmã me fez lembrar que a ideia de comida de casa vem adquirindo um significado cada vez mais importante. Em nossos cotidianos atribulados, em que corremos de um lado para o outro, sobrecarregados, sem conseguir dar conta de todos os compromissos que nos tínhamos proposto, alguém parar suas atividades, “suspender o tempo”, e se dedicar a cozinhar para uma ou outras pessoas se tornou um enorme privilégio, especialmente para quem desfruta dessa comida. 

    Para muitos de nós, cozinhar em casa virou sinônimo de trabalho desnecessário ou inviável, que envolve sobretudo “perda de tempo”. E isso é algo legítimo quando vivemos em um sistema em que nossas atividades diárias são reguladas pela máxima de que “tempo é dinheiro”. Além do mais, existem pessoas que não sabem cozinhar ou que cozinham a contragosto porque não se interessam pelo tema da cozinha, e isso também não é necessariamente um problema. Em muitas situações, ao receber alguém para comer em nossa casa, é sem dúvidas muito mais fácil pedir uma pizza ou alguma outra das inúmeras ofertas culinárias hoje disponíveis através de aplicativos. 

    No Brasil, por exemplo, muitos restaurantes têm tentado nos convencer que preparam uma comida caseira, como se essa modalidade de comida se resumisse a certos ingredientes e um modo de preparo. O sabor da comida caseira em um restaurante sempre vai ser aquele que identificamos em rótulos de muitos produtos processados: “com sabor imitação de”, ou seja, alguns restaurantes reproduzem um sabor semelhante ao da comida de casa, mas dificilmente será a mesma coisa, e isso porque a casa não é necessariamente o lugar, e sim as pessoas, os laços entre elas, a memória, as histórias que acontecem em torno do fogão. 

    E também por isso, comida de casa é a que jamais será julgada pelo improviso ou imprecisão no seu preparo. Quando o macarrão passa um pouquinho do ponto, o molho fica mais fino ou a carne um pouco ressecada não vamos para a internet fazer qualquer avaliação com mais ou menos estrelas. À comida de casa sempre se concede perdão.

  • Eating through the eyes

    Photography by Carla Rocha

    Perhaps for some of the younger generation, who were born in the age of the smartphone, the world of food, or rather a certain world found on the internet, works like the legend of the mermaid, who attracts sailors with her song and they end up drowning. In the case of the internet, many end up getting lost in an idealized sea of gluttonous pleasures.

    Images of hotly contested restaurants, lavish and exuberant dishes, crazy recipes with an abundance of ingredients, all help to create this world. There’s always that little hidden restaurant to be discovered, a new patisserie that promises to be the best, the most spectacular Japanese multi-course meal and so on. It’s as if these images were also saying: only those who don’t want to eat don’t eat.

    It’s well known that advertising is the lifeblood of the business, especially in an environment where exaggerations can earn thousands of likes and put a lot of money in your pocket. The important thing is to sell, and at any cost. Some food influencers literally sell their liver, producing videos in which they appear systematically consuming huge portions of fried food and other saturated fats. Some of the more lucid comments on such posts are almost a bet that frequent consumption of these calorie bombs the things will “go bad” one day.

    While public health data from various countries has revealed the high rates of diseases associated with poor diet, these videos act as a disservice to healthier eating.

    But these images only multiply because they gain thousands of views. And this leads us to reflect on how images of food, people eating or even preparing recipes mobilize so many people. Watching a New York holl open in the middle with a pistachio cream sliding down it in abundance, watching someone devouring a pizza with a generous topping or a sandwich with a filling that could satisfy three people at once, can awaken the most recondite desires for some food transgression. That’s why the term food porn makes so much sense in contemporary visual culture.

    Some go to extremes. In Asian countries, the phenomenon of mukbang, where people post videos of themselves eating excessively until they can’t stand it, has become a fever on the internet. In China, the phenomenon has become so widespread that, in a campaign against food waste, the government has started to block these videos.

    Just as these images provoke us to think that many food influencers have lost their minds, even risking their health, others have crossed the line between ethics and no-good person. Recently, a famous Italian digital influencer was ordered to pay a million-dollar fine after being accused of misleading consumers by promoting a Christmas candy (pandoro) developed under her brand in partnership with an Italian candy manufacturer. The price of the product, which was much higher than the market price, was justified by the fact that it involved a donation to a children’s hospital for the treatment of bone cancer, as suggested in the product’s advertising. In practice, she was the one pocketing the money.

    Some say that the experience of eating begins with the eyes. This is not untrue, as the world of food images, especially today, increasingly transcends the simple awakening of our taste buds.

    O comer pelos olhos

    Talvez para algumas novas gerações, que já nasceram na era do smartphone, o mundo da comida, ou melhor, um certo mundo encontrado na internet, funcione como a lenda das sereias que atrai marinheiros com seu canto e esses terminam se afogando. No caso da internet, muitos acabam se perdendo num mar idealizado dos prazeres da gula. 

    Imagens de restaurantes disputados, de pratos fartos e exuberantes, de receitas mirabolantes com trocentos ingredientes em abundância, tudo isso ajuda a criar esse mundo. Sempre existe aquele pequeno restaurante mais escondido a ser descoberto, uma nova confeitaria que promete ser a melhor, o rodízio de comida japonesa mais espetacular e por aí vai. É como se essas imagens também dissessem: só não come quem não quer.  

    Já se sabe que a propaganda é a alma do negócio, especialmente num meio em que os exageros podem render milhares de likes e isso significar umas boas cifras no bolso. O importante é vender e a qualquer custo. Alguns influencers de comida literalmente vendem o fígado, produzindo vídeos em que aparecem sistematicamente consumindo enormes porções de frituras e outras gorduras saturadas. Alguns comentários mais lúcidos em postagens dessa natureza quase fazem uma aposta de que consumir com frequência aquelas bombas calóricas uma hora “vai dar ruim”.

    Enquanto os dados de saúde pública de diversos países vêm revelando os altos índices de doenças associadas a má alimentação, esses vídeos funcionam como um desserviço a uma alimentação mais saudável. 

    Mas essas imagens só se multiplicam porque ganham milhares de visualizações. E isso nos leva a refletir sobre como imagens de comida, de pessoas comendo ou ainda preparando receitas mobilizam tanta gente. Assistir a um New York holl sendo aberto ao meio com um creme de pistache a deslizar abundantemente, assistir alguém devorando uma pizza com uma cobertura generosa ou um sanduíche com um recheio que daria para satisfazer três pessoas ao mesmo tempo, pode despertar os desejos mais recônditos de alguma transgressão alimentar. Por isso, faz tanto sentido o termo food porn na cultura visual contemporânea. 

    Alguns vão ao extremo. Em países asiáticos, o fenômeno do mukbang, de pessoas que postam vídeos comendo exageradamente até não suportarem mais, virou febre na internet. Na China, o fenômeno ganhou tamanha proporção que, em uma campanha contra o desperdício alimentar, o governo passou a bloquear esses vídeos. 

    Assim como essas imagens nos provocam a pensar que muitos influencers de comida perderam a razão, arriscando ate mesma a saúde, outros ultrapassaram a fronteira que separa o ético do mau-caratismo. Recentemente, uma famosa influencer digital italiana foi condenada a pagar uma multa milionária, ao ser acusada de enganar consumidores, depois de promover um doce natalino (pandoro), desenvolvido com sua marca em parceria com uma fabricante de doces italiana. O preço do produto, bem superior ao do mercado, se justificaria por envolver uma doação a um hospital pediátrico para tratamento de câncer ósseo, conforme sugeria a sua publicidade do produto. Na prática, quem embolsava o dinheiro era ela. 

    Há quem diga que a experiência de comer inicia pelos olhos. Não chega a ser uma inverdade, na medida em que o mundo das imagens de comida, especialmente hoje, cada vez mais transcende o simples despertar de nossas papilas gustativas.

  • I always leave multiple tabs open on my computer screen. A bad habit. I promise myself that I will organize these tabs so that I can read all of them, but as the days go by, instead of closing them, I end up opening so many more. It’s not uncommon for me to remember a piece of information that caused me to leave one of the tabs open, and when I go to look for it, I find another text that catches my eye, and I end up reading it and forgetting what I was looking for. This is one of my daily technology-driven sagas.

    Today was no different. I was looking for some information in one of the open tabs and came across an article on a magazine page about Ron Finley’s work. A few years ago, I had watched a TED talk in which he advocated urban agriculture as a solution to food deserts in the United States, places where access to fresh or minimally processed food is scarce or impossible, forcing people to travel to other regions to find these items. Finley also uses the term “food apartheid” as a synonym for food deserts in the United States, as this reality is related to gender, race, and class segregation in addition to high levels of poverty.

    The article focuses on the positive impact of Finley’s TED talk, which not only changed his life trajectory, but also helped expand his philanthropic work with urban agriculture.

      Photography by Carla Rocha – Horta do Pacuca – vegetal and community garden – Florianópolis/Brazil

    As I read the article, I kept thinking about something that seems absolutely obvious: how vast the world of food is, how many factors and issues it involves. But it seems that because we’re bombarded daily with so many images of food, and almost always reproducing so much abundance, even if it’s not always healthy food, it’s easy to ignore other realities related to food.

    The food deserts in Los Angeles that prompted Finley’s initiative are not unique to this region of the United States, and certainly not to this country. Food deserts exist all over the world, and in many places they have been exacerbated by the pandemic. In all likelihood, as climate change continues, these deserts will become much more common than imagined, even in previously unlikely areas.

    For this reason, urban agriculture is not just an interesting topic, but an increasingly important and necessary phenomenon. People who don’t have easy access to fresh, healthy food have poor and problematic diets. Urban agriculture is therefore directly related to food sovereignty and food and nutrition security.

    For Finley, growing your own food is like printing your own money. But planting and harvesting in cities involves many other factors, as Finley’s work and that of many others around the world shows. Countering the industrial movement that increasingly dominates food landscapes, urban agriculture is transforming cities into much healthier places.

    Agricultura urbana versus desertos alimentares

    Sempre deixo várias abas abertas na tela de meu computador. Um péssimo costume. Prometo a mim mesma organizar essas abas com a devida leitura de todos os textos, mas os dias passam e, ao invés de fechá-las, acabo abrindo outras tantas. Não é raro que eu lembre de alguma informação que me levou a deixar uma das abas abertas e, ao buscá-la, encontro algum outro texto que me chama a atenção, acabo lendo e esqueço o que buscava. Essa é uma de minhas sagas diárias proporcionadas pela tecnologia. 

    Hoje não foi diferente. Buscava alguma informação em uma das abas abertas e encontrei uma matéria na página de uma revista sobre o trabalho de Ron Finley. Há alguns anos já havia assistido uma palestra no TED em que ele já defendia a agricultura urbana como uma solução para os desertos alimentares nos Estados Unidos, locais em que o acesso a alimentos in natura ou minimamente processados é escasso ou inviável, obrigando as pessoas a se dirigirem a outras regiões para encontrar esses itens. Finley também usa a expressão apartheid alimentar como sinônimo de desertos alimentares nos Estados Unidos, já que essa realidade, além de altos índices de pobreza, também se relaciona à segregação de gênero, raça e classe. 

    Na matéria, o foco é o impacto positivo da palestra de Finley no TED, que não apenas mudou a sua trajetória de vida, mas contribuiu para expandir seu trabalho filantrópico com agricultura urbana. 

    Enquanto lia a matéria, eu não deixava de pensar em algo que parece absolutamente óbvio, isto é, no quanto o universo da comida é vasto, envolve tantos fatores e problemáticas. No entanto, parece que à medida em que somos bombardeados diariamente com tantas imagens de comida e quase sempre reproduzindo tanta fartura, ainda que nem sempre signifiquem comidas saudáveis, é fácil ignorar outras realidades ligadas à alimentação. 

    Os desertos alimentares de Los Angeles, e que motivaram a iniciativa de Finley, não são uma exclusividade dessa região dos Estados Unidos e muito menos desse país. Desertos alimentares existem ao redor do mundo e, em muitos lugares, houve ainda um agravamento com a pandemia. Muito provavelmente, com o avanço das mudanças climáticas, esses desertos se tornem bem mais comuns do que se imagina também em territórios anteriormente improváveis. 

    Por essa razão, a agricultura urbana não é apenas um tema interessante, mas é um fenômeno cada vez mais importante e necessário. Pessoas que não têm acesso fácil a alimentos frescos e saudáveis possuem uma dieta pobre e problemática. Portanto, agricultura urbana tem relação direta com soberania alimentar e segurança alimentar e nutricional. 

    Para Finley, cultivar os próprios alimentos é como imprimir o próprio dinheiro. Mas plantar e colher nas cidades envolve muitos outros fatores, como mostra o trabalho de Finley e de diversos outros ao redor do mundo. Na contramão do movimento da indústria, que domina cada vez as paisagens alimentares, a agricultura urbana vêm transformando cidades em espaços muito mais saudáveis. 

  • Photography by Carla Rocha – Supermarket in Brazil

    A recent publication in the Lancet, reporting that Colombia has become one of the first countries in the Americas to tax junk food, is a provocation to think about how far we have come in human nutrition. Why has junk food consumption become so ubiquitous around the world?

    The term junk food was first used in 1972 by Michael Jacobson, an American scientist, to refer to products high in calories and low in nutritional value. The term has become synonymous with ultra-processed foods, substances that look like food but are actually a combination of chemical additives, salt or sugar, and saturated fat.

    Taxing these products shouldn’t even be a surprise; on the contrary, it should be normalized as a rule, since the damage to the population’s health associated with increased consumption of these products is growing. Hypertension, diabetes, obesity, cancer and other chronic diseases have been linked to the consumption of ultra-processed foods.

    According to the Lancet article, 56.4% of Colombia’s population is overweight, nearly a third of adults have high blood pressure, and about a quarter of annual deaths are related to cardiovascular disease. These numbers are not isolated. In the case of Brazil, a study conducted by the Brazilian Eating Habits Observatory concluded that ultra-processed foods are responsible for about 57,000 premature deaths per year in the country.

    The effective lobbying of the ultra-processed food industry and the many subsidies for these products cannot be ignored. In Brazil, the systematic increase in the price of staple foods for the vast majority of the population, such as beans and rice, as well as fruits and vegetables, also makes it impossible to systematically consume healthier foods. And this price increase is precisely linked to the lack of subsidies for small producers who are responsible for producing fresh or minimally processed food in the country.

    In addition to the entire media universe, which is not limited to promoting the golden arches of fast food, other mechanisms are at work to encourage the consumption of ultra-processed foods. In most supermarkets in Brazil, while these products are on the main shelves at the entrance of the supermarket, vegetables, fruits and legumes are usually in the back. You have to walk all the way through the store to find fresh food. This layout explains a lot. What the eye can’t see….

    I come from a generation in which the idea of real food was a simple aphorism used to distinguish it from toy food, usually made with plasticine. We didn’t even discuss the harms of ultra-processed food because it wasn’t as widely available or consumed as it is today. We can’t go back to the past, but without a broader change that includes educational, fiscal and regulatory policies, it’s hard to imagine a healthier future.

    Por que se consome tanta junk food?

    Uma publicação recente da revista Lancet noticiando que a Colômbia passou a ser um dos primeiros países nas Américas a taxar as junk food é uma provocação para pensarmos a que ponto chegamos na alimentação humana. Por que o consumo de de junk food se tornou tão onipresente ao redor do mundo?

    O termo junk food teria sido utilizado pela primeira vez em 1972 por Michael Jacobson, cientista estadunidense, referindo-se a produtos ricos em calorias e de baixa qualidade nutritiva. O termo se tornou um sinônimo para os ultraprocessados, ou seja, substâncias que se assemelham à comida, mas que na realidade são, em sua grande maioria, uma combinação de aditivos químicos, sal ou açúcar e gordura saturada.

    A taxação desses produtos nem deveria causar surpresa; ao contrário, deveria ser normalizada como regra, na medida em que crescem os danos à saúde da população associados ao aumento do consumo desses produtos. Hipertensão, diabetes, obesidade, câncer e outras doenças crônicas têm sido atribuídas ao consumo dos ultraprocessados. 

    De acordo com o artigo da Lancet, 56,4% da população da Colômbia está acima do peso, quase um terço dos adultos tem pressão alta e cerca de um quarto das mortes anuais estão associadas a doenças cardiovasculares. Esses dados não são isolados. No caso do Brasil, uma pesquisa realizada pelo Observatório Brasileiro dos Hábitos Alimentares concluiu que os alimentos ultraprocessados são responsáveis por cerca de 57 mil mortes prematuras por ano no país.

    Não é difícil entender o porquê do aumento do consumo de ultraprocessados e as razões são várias. O baixo custo desses produtos os torna mais acessíveis do que muitos alimentos in natura. A sua maior durabilidade e a praticidade no seu preparo são fatores que também contribuem para tornarem esses produtos a principal opção.

    Não se pode ainda ignorar o lobby eficaz da indústria dos ultraprocessados e os muitos subsídios a esses produtos. No Brasil, o aumento sistemático do preço de alimentos básicos para uma grande maioria da população, como o feijão e o arroz, e dos hortifrutigranjeiros também inviabilizam o consumo sistemático de alimentos mais saudáveis. E esse aumento de preços está justamente ligado à falta de subsídios a pequenos produtores, os responsáveis pela produção dos alimentos frescos ou minimamente processados no país. 

    Além de todo o universo midiático, que não se restringe à promoção dos arcos dourados fastfoodianos, outros mecanismos atuam para o estímulo ao consumo de consumo de ultraprocessados. No Brasil, na maior parte dos supermercados, enquanto esses produtos estão nas principais gôndolas desde a entrada dos supermercados, as verduras, frutas e legumes, geralmente, estão na sua parte do fundo. Deve-se cruzar todo o estabelecimento para encontrar os alimentos in natura. Essa configuração espacial já explica muita coisa. O que os olhos não vêem….

    Sou de uma geração em que a ideia de comida de verdade era um simples aforismo usado como distinção da comida de brinquedo, geralmente preparada com massa de modelar. Nem se discutia os malefícios dos ultraprocessados porque não havia tanta disponibilidade ou consumo desses produtos como hoje. Não podemos voltar ao passado, mas sem uma mudança de ordem mais ampla, envolvendo políticas educativas, fiscais e regulatórias, fica difícil pensar em um futuro mais saudável. 

  • What will we eat tomorrow?

    Photography by Carla Rocha – Blackberries

    One of the topics that has captured my interest, especially in the last year, is the future of food. My interest is mainly justified by the scenario that is emerging, in which the advance of the climate crisis and its direct or indirect consequences on food in a broader sense are remarkable.

    I confess that it’s an interest mixed with a certain concern. Some of the most severe weather events in the world have damaged various crops. This means not only shortages, but also an increase in the price of many foods. In countries where access to food is already difficult, the situation is likely to worsen. In countries with greater food diversity, however, it will most likely mean that a quality diet, especially one based on a variety of fresh foods, grains and cereals, will be increasingly limited to a very small portion of the population. The vast majority will increasingly rely on ultra-processed products.

    One issue that has been raised about the future of food is the projected growth of the world’s population, which is estimated to reach 9 billion by the year 2050. As food-related problems are exacerbated by the climate crisis, the question arises as to whether it will be possible to feed this entire population in the future.

    The development of food production technologies based on population growth was the main argument behind the Green Revolution that began in the middle of the last century. We know that, especially since then, the increasing use of monocultures and the systematic use of synthetic fertilizers and pesticides have made agriculture one of the main causes of the environmental crisis we face today.
    We know that the increasing use of monocultures and the systematic use of synthetic fertilizers and pesticides have made agriculture one of the main contributors to the environmental crisis we face today, not to mention the impact of these products on human health.

    In the city where I live, Florianópolis, the world’s largest animal meat producer is building Brazil’s first laboratory meat research center. The multi-million dollar investment is scheduled to open in 2024. Very soon, we will see the results of this research in meatballs, hamburgers and sausages based on this type of meat, although, as in the United States, it will most likely be consumed by a minority due to its high cost.

    While some people project the future of food from the laboratory and biotechnology, others, observing the extent to which our food has become impoverished and homogenized as biodiversity has diminished, advocate looking to the past. This is the perspective of Taras Grescoe, author of The Lost Supper, for whom the future of food lies in those foods that have been lost, forgotten, or almost disappeared. In the same vein, Dan Saladino, in his book Eating to Extinction, points to the danger of creating more uniform crops, since a global system based on a limited selection of plants and a few varieties runs a great risk of succumbing to disease, pests, and climatic extremes.

    A great diversity of plants has accompanied most of human history. When it comes to lab-grown foods, we don’t have much idea of what they will be in the future. But if we take the example of what has happened with the spread of other ultra-processed foods, not only have they not solved world hunger, they have created a number of problems, especially with regard to human health.

    Whether we look to the past or to the laboratory, the only certainty we have is that the future of food is becoming increasingly uncertain.

    O que comeremos amanhã?

    Um dos temas que tem me despertado muito interesse, especialmente nesse último ano, é o relacionado ao futuro da alimentação. Meu interesse se justifica principalmente por conta do cenário que vem se configurando, em que é notável o avanço da crise climática e suas consequências diretas ou indiretas na alimentação de uma maneira mais ampla. 

    Confesso que é um interesse misturado com uma certa preocupação. Alguns eventos climáticos mais rigorosos ao redor do mundo vêm prejudicando cultivos diversos. Isso significa não apenas escassez, como também o aumento no preço de muitos alimentos. Em países que já enfrentam dificuldades no acesso alimentar a situação tende a se agravar. Já nos países que dispõem de uma maior diversidade alimentar, muito provavelmente, isso significa que uma alimentação de qualidade, isto é, especialmente aquela baseada em uma variedade de alimentos frescos, grãos e cereais, talvez fique progressivamente restrita a uma pequeníssima parcela da população. A grande maioria vai depender cada vez mais dos produtos ultraprocessados.  

    Um ponto que tem sido levantado a respeito do futuro da alimentação é o da projeção de crescimento da população mundial, estimada para alcançar 9 bilhões até o ano de 2050. Na medida em que os problemas ligados ao campo alimentar em decorrência da crise climática tendem a se acirrar, a questão é se no futuro será possível alimentar toda essa população.

    O desenvolvimento de tecnologias para a produção alimentar baseado no  crescimento da população foi o argumento principal da Revolução Verde, iniciada em meados do século passado. Sabemos que, especialmente a partir desse período, o implemento crescente de monoculturas, o uso sistemático de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos transformou a agricultura em uma das principais responsáveis pela crise ambiental que enfrentamos hoje, sem contar os impactos do desses produtos na saúde humana. 

    O mesmo argumento de crescimento da população tem sido repaginado e utilizado pela indústria de ultraprocessados, mais especificamente, a da carne cultivada em laboratório.  Essa carne, produzida a partir de células animais, tem sido vendida como uma alternativa para suprir a necessidade de proteínas no futuro, e é defendida como algo até mesmo mais sustentável do ponto de vista ambiental, considerando a redução das emissões de gases com efeito de estufa, já que são utilizadas menos terras em comparação com a pecuária.

    Na cidade onde eu vivo, Florianópolis, a maior empresa global de produção de carne animal está implantando o primeiro centro de pesquisa para carne em laboratório do Brasil. O investimento milionário é previsto para ser inaugurado em 2024. Muito em breve, já veremos o resultado da pesquisa em almôndegas, hamburgueres e embutidos a base desse tipo carne, embora, a exemplo de ocorre nos Estados Unidos, muito provavelmente, considerando o seu alto custo, vai ser destinado ao consumo de uma minoria.

    Enquanto alguns projetam o futuro da comida a partir de um laboratório e da biotecnologia, outros, ao observarem o quanto nossa alimentação foi empobrecendo e se homogeneizando com a diminuição da biodiversidade, defendem olharmos para o passado. Essa é perspectiva de Taras Grescoe, autor de The Lost Supper, para quem o futuro dos alimentos está naqueles alimentos perdidos, esquecidos ou quase desaparecidos. Na mesma vertente, Dan Saladino, em seu livro Eating to Extinction, chama a atenção para o perigo de se criar culturas mais uniformes, uma vez que um sistema global baseado em uma seleção restrita de plantas e de poucas variedades corre um risco grande de sucumbir a doenças, pragas e extremos climáticos.

    Uma ampla diversidade de plantas acompanhou a maior parte da trajetória humana.  No que se refere aos alimentos produzidos em laboratório, não temos ainda tanta ideia do que representarão mais adiante. Mas se tomarmos o exemplo do que ocorreu com a disseminação de outros ultraprocessados, além de não resolverem a fome no mundo, criaram uma série de problemas, sobretudo no que se refere à saúde humana. 

    Olhando para o passado ou para os laboratórios, a única certeza que temos é que o futuro da alimentação tem se tornado cada vez mais cheio de incertezas.