Food

Homemade Food

Photography by Carla Rocha – The homemade food prepared by my sister

Yesterday, my sister cooked for me. I hadn’t eaten anything prepared by her for months, as we don’t meet very often since she lives in another state. But it’s great to have the opportunity to try her food because she’s always enthusiastic about cooking and this enthusiasm is reflected in all the dishes she prepares, it’s like an extra spice. But that’s not all.

Eating the food prepared by my sister reminded me that the idea of home cooking is becoming increasingly important. In our busy daily lives, where we rush around, overloaded and unable to meet all the commitments we have set ourselves, someone stopping their activities, “suspending time”, and dedicating themselves to cooking for one or other people has become an enormous privilege, especially for those who enjoy this food.

For many of us, cooking at home has become synonymous with unnecessary or unfeasible work, which mainly involves “wasting time”. And this is legitimate when we live in a system where our daily activities are regulated by the maxim that “time is money”. What’s more, there are people who can’t cook or who cook begrudgingly because they’re not interested in the subject of cooking, and that’s not necessarily a problem either. In many situations, when we receive someone to eat at our home, it is undoubtedly much easier to order a pizza or some other of the countless culinary offerings available today.

In Brazil, for example, many restaurants have tried to convince us that they prepare homemade food, as if this type of food could be summed up in certain ingredients and a method of preparation. The taste of home-cooked food in a restaurant is always going to be what we see on the labels of many processed products: “with imitation flavor”. In other words, some restaurants reproduce a flavor similar to home-cooked food, but it’s unlikely to be the same, and that’s because home is not necessarily the place, but the people, the bonds between them, the memory, the stories that happen around the stove.

That’s also why food from home will never be judged for improvisation or imprecision in its preparation. When the pasta is a little overcooked, the sauce a little thinner or the meat a little dry, we don’t go online to give it more or less stars. Homemade food is always forgiven.

Comida de Casa

Ontem, minha irmã cozinhou para mim. Havia meses eu não comia algo preparado por ela, pois não nos encontramos com muita frequência, já que ela vive em outro estado. Mas é muito bom ter a oportunidade de provar sua comida porque ela é sempre entusiasmada para cozinhar e esse entusiasmo se reflete em todos os pratos que ela prepara, é como se fosse um tempero extra. Mas não é somente isso.  

Comer a comida preparada pela minha irmã me fez lembrar que a ideia de comida de casa vem adquirindo um significado cada vez mais importante. Em nossos cotidianos atribulados, em que corremos de um lado para o outro, sobrecarregados, sem conseguir dar conta de todos os compromissos que nos tínhamos proposto, alguém parar suas atividades, “suspender o tempo”, e se dedicar a cozinhar para uma ou outras pessoas se tornou um enorme privilégio, especialmente para quem desfruta dessa comida. 

Para muitos de nós, cozinhar em casa virou sinônimo de trabalho desnecessário ou inviável, que envolve sobretudo “perda de tempo”. E isso é algo legítimo quando vivemos em um sistema em que nossas atividades diárias são reguladas pela máxima de que “tempo é dinheiro”. Além do mais, existem pessoas que não sabem cozinhar ou que cozinham a contragosto porque não se interessam pelo tema da cozinha, e isso também não é necessariamente um problema. Em muitas situações, ao receber alguém para comer em nossa casa, é sem dúvidas muito mais fácil pedir uma pizza ou alguma outra das inúmeras ofertas culinárias hoje disponíveis através de aplicativos. 

No Brasil, por exemplo, muitos restaurantes têm tentado nos convencer que preparam uma comida caseira, como se essa modalidade de comida se resumisse a certos ingredientes e um modo de preparo. O sabor da comida caseira em um restaurante sempre vai ser aquele que identificamos em rótulos de muitos produtos processados: “com sabor imitação de”, ou seja, alguns restaurantes reproduzem um sabor semelhante ao da comida de casa, mas dificilmente será a mesma coisa, e isso porque a casa não é necessariamente o lugar, e sim as pessoas, os laços entre elas, a memória, as histórias que acontecem em torno do fogão. 

E também por isso, comida de casa é a que jamais será julgada pelo improviso ou imprecisão no seu preparo. Quando o macarrão passa um pouquinho do ponto, o molho fica mais fino ou a carne um pouco ressecada não vamos para a internet fazer qualquer avaliação com mais ou menos estrelas. À comida de casa sempre se concede perdão.

Comida · Food

Cassava: the queen losing her majesty?

Photography by Carla Rocha

Câmara Cascudo, one of the main researchers of food in Brazil,  considered manioc to be the foundation of Brazilian food, referring to it as the “queen of Brazil”. There’s no doubt that he was absolutely right. Although its consumption is higher in the north and northeast, cassava is a food found in all regions of the country. 
 
Many times when I go back to Rio Grande do Sul, I take a few bags of manioc flour produced in Santa Catarina as gifts and they are always very welcome. It’s a finer flour, called “farinha polvilhada” (sprinkled flour) and also known as “farinha de guerra” (war flour), for having fed the imperial troops fighting in Paraguay in the 19th century. 
 
In Rio Grande do Sul, manioc flour mainly accompanies barbecue, in the form of farofa or even pure. In Santa Catarina, on the other hand, it is mainly eaten with fish dishes, also in the form of “farofa” or “pirão”. 
 
These examples don’t exactly reflect the greatness of this root native to Brazil which, since the indigenous diet, in the words of Câmara Cascudo, has “accompanied all edible things, from meat to fruit”. Just as there are many varieties of cassava, there are several ways to consume it, whether cooked, fried or through products resulting from its processing, such as “sagu”, “polvilho”, “tapioca”, among many others. 
 
Despite not being among the country’s main cassava producing states, Santa Catarina has almost 300 years of artisanal cassava flour production in its memory. The history of cassava in the state is related to the immigration of Portuguese from the Azores and their attempts to reproduce the habit of eating bread at mealtimes. After learning to cultivate the root with the local indigenous people, the Azoreans began to refine the flour to make bread. The absence of gluten made it impossible to produce bread exclusively from this flour. But its fine, sprinkled texture has become a feature of local flour to this day. 
 
Many families still carry on the artisanal production of manioc flour throughout the state, although many of the mills of the past have disappeared over time. But it’s not just the mills that have disappeared; IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics) data shows a reduction in the number of hectares under cassava in the country. In recent years, cassava has been losing ground to soy and corn plantations. 
 
The reduction in its cultivation area in the country also means an increase in the price of cassava and its derivatives, which inevitably has repercussions on its consumption, especially by the most vulnerable populations. Even the queen of Brazil, like other staple foods in the country, is losing her majesty to the increasingly dominant seeds of agribusiness.

Mandioca: a rainha do Brasil perdendo a majestade?

Câmara Cascudo considerava a mandioca o alicerce da alimentação brasileira, referindo-se a ela como “rainha do Brasil”. Não há dúvidas de que ele estava absolutamente certo. Apesar de seu consumo ser maior no norte e nordeste, a mandioca é um alimento presente em todas as regiões do país. 

Muitas vezes em que volto ao Rio Grande do Sul levo alguns sacos de farinha de mandioca produzidos em Santa Catarina para presentear e são sempre muito bem-vindos. É uma farinha mais fina, chamada farinha polvilhada e conhecida também como “farinha de guerra”, por ter alimentado as tropas imperiais no século 19 que lutavam no Paraguai. 

No Rio Grande do Sul, a farinha de mandioca acompanha principalmente o churrasco, em forma de farofa ou mesmo pura. Já em Santa Catarina, é consumida sobretudo com pratos à base de peixe, também na forma de farofa ou então de pirão. 

Esses exemplos não refletem exatamente a grandeza dessa raiz nativa do Brasil que, desde a alimentação indígena, ainda nas palavras de Câmara Cascudo, vem “acompanhando todas as coisas comíveis, da carne à fruta”. Assim como existem muitas variedades de mandioca, existem diversas maneiras de se consumi-la, seja cozida, frita ou através de produtos resultantes do seu processamento, como é o caso do sagu, polvilho, tapioca, entre tantos outros. 

Apesar de não estar entre os principais estados produtores de mandioca do país, Santa Catarina carrega na memória cerca de quase 300 anos de produção artesanal dessa farinha. A história da mandioca no estado está relacionada à imigração de portugueses da Ilha dos Açores e suas tentativas de reprodução do hábito de comer pão às refeições. Depois de aprender a cultivar a raiz com os indígenas locais, os açorianos passaram a afinar a farinha para fazer pão. A ausência de glúten impossibilitou que se produzisse pão exclusivamente a partir dessa farinha. Mas sua textura fina, polvilhada, se transformou em uma particularidade da farinha local até hoje. 

Muitas famílias ainda levam adiante a produção artesanal da farinha de mandioca pelo estado, embora muitos dos engenhos do passado tenham desaparecido ao longo do tempo. Mas não foram somente os engenhos que desapareceram. Dados do IBGE mostram redução do número de hectares da área de mandioca no país. Nos últimos anos, a raiz vem perdendo espaço para a plantação de soja e milho. 

A diminuição da sua área de cultivo no país também significa aumento de preço da mandioca e de seus derivados, o que inevitavelmente repercute no seu consumo, em especial de populações mais vulneráveis. Até mesmo a rainha do Brasil, a exemplo de outros alimentos considerados básicos no país, vem perdendo a majestade para as sementes cada vez mais reinantes do agronegócio.