My relationship with wine came very early. My father was Portuguese and wine was a regular part of meals at our house. It was usually bottled wine, the same used to make sago – one of my favorite desserts – or to season more elaborate food on weekends. When people came to visit, not only did the size of the bottle decrease, but the label also changed. Perhaps the difference in quality between these wines wasn’t that significant, but it was a way for my father to treat the visitor as someone special.
Drinking wine at mealtimes harked back to cultural habits that my father had internalized before emigrating to Brazil. In countries with a long history of wine production and consumption, such as Portugal, it’s no surprise that wine is an important part of the country’s food culture.
Wine has also become part of our family’s habits. I remember that my sisters and I would occasionally drink a wine-based drink during lunch. It was a kind of very smooth sangria: water with a little red wine and sugar.
My mother also ended up adopting many of the customs brought by my father. One of these customs was to put a few portions of stale bread in a soup bowl, add wine until the bread was soaked and sprinkle sugar on top.
This mixture, known in Portugal as tired horse soup, was eaten with a spoon. In the past, it was considered an energizing food, especially for those who lived in the Portuguese countryside, where heavy work was required.
Wine, therefore, was part of our everyday family life and, just as it was a drink that accompanied food, it was transformed into food. This ambiguity related to wine is also reproduced from a boundary between being considered a food and an alcoholic drink, that is, between something rich in nutrients and, at the same time, something that can pose health risks.
This boundary is nothing new; it connects us to a very distant past. Ever since wine took over the world from the Mediterranean basin, recommendations for its moderate consumption and temptations to Dionysian delights have lived side by side.
As fronteiras do vinho
Minha relação com o vinho surgiu muito cedo. Meu pai era português e o vinho fazia parte das refeições em nossa casa regularmente. Em geral, era vinho de garrafão, o mesmo que se usava para fazer sagu – uma de minhas sobremesas favoritas – ou então temperar alguma comida mais elaborada aos finais de semana. Quando havia alguma visita, não apenas o tamanho da garrafa diminuía, como o rótulo também mudava. Talvez a diferença de qualidade entre esses vinhos não fosse tão representativa, mas era uma forma de meu pai tratar a visita como alguém especial.
Beber vinho às refeições reportava a hábitos culturais que meu pai havia internalizado antes de emigrar para o Brasil. Em países com trajetória importante na produção e consumo de vinhos, como é o caso de Portugal, não é novidade que o vinho seja um elemento importante da cultura alimentar do país.
O vinho também passou a fazer parte dos hábitos da nossa família. Lembro que, esporadicamente, eu e minhas irmãs bebíamos um refresco à base de vinho durante o almoço. Era uma espécie de sangria muito suave: água com um pouco de vinho tinto e açúcar.
Minha mãe também acabou adotando muitos dos costumes trazidos por meu pai. Um desses costumes era colocar algumas porções de pão dormido em um prato de sopa, adicionar vinho até o pão ficar encharcado e polvilhar açúcar.
Essa mistura, conhecida em Portugal como sopa de cavalo cansado, se comia de colher. No passado, era considerada um alimento energético, especialmente para quem levava a vida no campo em Portugal, em que se exigia um trabalho mais pesado.
O vinho, portanto, era parte do nosso cotidiano familiar e, assim como era uma bebida que acompanhava a comida, era transformado em uma comida. Essa ambiguidade relacionada ao vinho também é reproduzida a partir de uma fronteira entre ser considerado um alimento e uma bebida alcoólica, isto é, entre algo rico em nutrientes e, ao mesmo tempo, algo que pode representar perigos à saúde.
Tal fronteira não é novidade, nos faz conectar com um passado muito distante. Desde que o vinho ganhou o mundo a partir da bacia do Mediterrâneo, recomendações ao seu consumo moderado e tentações aos deleites dionisíacos convivem lado a lado.