Comida · Food

Cassava: the queen losing her majesty?

Photography by Carla Rocha

Câmara Cascudo, one of the main researchers of food in Brazil,  considered manioc to be the foundation of Brazilian food, referring to it as the “queen of Brazil”. There’s no doubt that he was absolutely right. Although its consumption is higher in the north and northeast, cassava is a food found in all regions of the country. 
 
Many times when I go back to Rio Grande do Sul, I take a few bags of manioc flour produced in Santa Catarina as gifts and they are always very welcome. It’s a finer flour, called “farinha polvilhada” (sprinkled flour) and also known as “farinha de guerra” (war flour), for having fed the imperial troops fighting in Paraguay in the 19th century. 
 
In Rio Grande do Sul, manioc flour mainly accompanies barbecue, in the form of farofa or even pure. In Santa Catarina, on the other hand, it is mainly eaten with fish dishes, also in the form of “farofa” or “pirão”. 
 
These examples don’t exactly reflect the greatness of this root native to Brazil which, since the indigenous diet, in the words of Câmara Cascudo, has “accompanied all edible things, from meat to fruit”. Just as there are many varieties of cassava, there are several ways to consume it, whether cooked, fried or through products resulting from its processing, such as “sagu”, “polvilho”, “tapioca”, among many others. 
 
Despite not being among the country’s main cassava producing states, Santa Catarina has almost 300 years of artisanal cassava flour production in its memory. The history of cassava in the state is related to the immigration of Portuguese from the Azores and their attempts to reproduce the habit of eating bread at mealtimes. After learning to cultivate the root with the local indigenous people, the Azoreans began to refine the flour to make bread. The absence of gluten made it impossible to produce bread exclusively from this flour. But its fine, sprinkled texture has become a feature of local flour to this day. 
 
Many families still carry on the artisanal production of manioc flour throughout the state, although many of the mills of the past have disappeared over time. But it’s not just the mills that have disappeared; IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics) data shows a reduction in the number of hectares under cassava in the country. In recent years, cassava has been losing ground to soy and corn plantations. 
 
The reduction in its cultivation area in the country also means an increase in the price of cassava and its derivatives, which inevitably has repercussions on its consumption, especially by the most vulnerable populations. Even the queen of Brazil, like other staple foods in the country, is losing her majesty to the increasingly dominant seeds of agribusiness.

Mandioca: a rainha do Brasil perdendo a majestade?

Câmara Cascudo considerava a mandioca o alicerce da alimentação brasileira, referindo-se a ela como “rainha do Brasil”. Não há dúvidas de que ele estava absolutamente certo. Apesar de seu consumo ser maior no norte e nordeste, a mandioca é um alimento presente em todas as regiões do país. 

Muitas vezes em que volto ao Rio Grande do Sul levo alguns sacos de farinha de mandioca produzidos em Santa Catarina para presentear e são sempre muito bem-vindos. É uma farinha mais fina, chamada farinha polvilhada e conhecida também como “farinha de guerra”, por ter alimentado as tropas imperiais no século 19 que lutavam no Paraguai. 

No Rio Grande do Sul, a farinha de mandioca acompanha principalmente o churrasco, em forma de farofa ou mesmo pura. Já em Santa Catarina, é consumida sobretudo com pratos à base de peixe, também na forma de farofa ou então de pirão. 

Esses exemplos não refletem exatamente a grandeza dessa raiz nativa do Brasil que, desde a alimentação indígena, ainda nas palavras de Câmara Cascudo, vem “acompanhando todas as coisas comíveis, da carne à fruta”. Assim como existem muitas variedades de mandioca, existem diversas maneiras de se consumi-la, seja cozida, frita ou através de produtos resultantes do seu processamento, como é o caso do sagu, polvilho, tapioca, entre tantos outros. 

Apesar de não estar entre os principais estados produtores de mandioca do país, Santa Catarina carrega na memória cerca de quase 300 anos de produção artesanal dessa farinha. A história da mandioca no estado está relacionada à imigração de portugueses da Ilha dos Açores e suas tentativas de reprodução do hábito de comer pão às refeições. Depois de aprender a cultivar a raiz com os indígenas locais, os açorianos passaram a afinar a farinha para fazer pão. A ausência de glúten impossibilitou que se produzisse pão exclusivamente a partir dessa farinha. Mas sua textura fina, polvilhada, se transformou em uma particularidade da farinha local até hoje. 

Muitas famílias ainda levam adiante a produção artesanal da farinha de mandioca pelo estado, embora muitos dos engenhos do passado tenham desaparecido ao longo do tempo. Mas não foram somente os engenhos que desapareceram. Dados do IBGE mostram redução do número de hectares da área de mandioca no país. Nos últimos anos, a raiz vem perdendo espaço para a plantação de soja e milho. 

A diminuição da sua área de cultivo no país também significa aumento de preço da mandioca e de seus derivados, o que inevitavelmente repercute no seu consumo, em especial de populações mais vulneráveis. Até mesmo a rainha do Brasil, a exemplo de outros alimentos considerados básicos no país, vem perdendo a majestade para as sementes cada vez mais reinantes do agronegócio.