Comida · Food

Where is the cocoa?

Photography by Carla Rocha

On the eve of Easter, as every year, it’s impossible not to notice the flood of chocolate offers everywhere. Both in the media and in the various shops and supermarkets, the colorful packaging of chocolate eggs is highlighted weeks before the date. Every year, however, this celebration tastes saltier.

In recent years, the price of Easter eggs in Brazil has become exorbitant. At the same time, chocolate bars have become more expensive and fewer in volume. And the changes don’t stop there.

More than once, I’ve seen posts on social media from people asking if others have noticed a change in the taste of many of the chocolates sold in Brazil. You don’t have to be a chocolate expert to realize that the vast majority of these products contain less and less cocoa, in addition to more sugar and hydrogenated fats.

The announced progressive shortage of cocoa is likely to lead to even more significant changes in the products derived from this fruit and their costs. An example of this is the recent increase in cocoa prices due to climatic problems and pests affecting cocoa trees in the world’s major producing countries, such as Côte d’Ivoire and Ghana.

Although Brazil was once one of the world’s largest cocoa producers, the country’s supply does not meet demand. In contrast to the chocolates of the big brands, you’ll find here and there chocolates produced in Brazil, which are usually special and more expensive than the popular offers.

I think it’s fair to pay more for chocolate from small producers. They don’t have the same tax incentives and advantages as the big transnational companies, and they don’t collude with child and slave labor, as has been denounced in cocoa production in African countries and Brazil.

It has already been announced that cocoa-based chocolate will become a rare delicacy due to the climate crisis. So it seems that the vast majority of us, if we want to remember the pleasure of tasting chocolate, will have to settle for its aroma alone or resort to products with artificial cocoa flavoring, similar to so many other food simulacra in their ultra-processed version.

Por onde anda o cacau?

Às vésperas da Páscoa, como acontece todos os anos, é impossível não perceber a inundação de ofertas de chocolate em todos os lugares. Tanto nas mídias quanto nas diversas lojas e supermercados, o colorido das embalagens dos ovos de chocolate já ganha destaque semanas antes da data. No entanto, a cada ano, essa celebração tem um gosto mais salgado.

Nos últimos anos, o preço dos ovos de Páscoa tem se tornado exorbitante no Brasil. Ao mesmo tempo, as barras de chocolate, além de mais caras, vêm diminuindo em volume. E as mudanças não param por aí.

Mais de uma vez me deparei com publicações nas redes sociais de pessoas questionando se outras também têm notado a alteração do sabor de muitos chocolates vendidos no Brasil. Não é preciso ser um especialista em chocolate para perceber que a grande maioria desses produtos, além de possuírem mais açúcar e gordura hidrogenada, contém cada vez menos cacau.

A anunciada escassez progressiva do cacau provavelmente resultará em alterações ainda mais marcantes nos produtos derivados desse fruto e em seu custo. Um exemplo disso é a recente alta nos preços do cacau, causada por problemas climáticos e pragas nos cacaueiros dos principais países produtores mundiais, como Costa do Marfim e Gana.

Apesar de o Brasil já ter sido um dos maiores produtores mundiais de cacau, hoje sua oferta não atende à demanda do país. Em contraste com os chocolates das grandes marcas, encontramos aqui e ali chocolates produzidos no Brasil, geralmente especiais e com preço mais elevado que as ofertas populares.

Considero justo pagar mais por um chocolate resultante do trabalho de pequenos produtores. Eles não têm os mesmos incentivos fiscais e vantagens das grandes empresas transnacionais e não são coniventes com o trabalho infantil e escravo, como tem sido denunciado na produção de cacau em países africanos e no Brasil.

Já foi anunciado que, devido à crise climática, o chocolate à base de cacau se tornará uma iguaria rara. Assim, parece que a grande maioria de nós, se quiser rememorar o prazer de saborear um chocolate, terá que se contentar somente com o seu aroma ou então recorrer a produtos com sabor artificial de cacau, semelhantes a tantos outros simulacros de alimentos em sua versão ultraprocessada.

Comida · Food

Chocolate may not be as sweet as it seems

Photography by Carla Rocha

On July 7, World Chocolate Day is celebrated. Its scientific name comes from the Greek, Theobroma cacao, and means “food of the gods”. This name makes a lot of sense for a food that, throughout its history, has conquered the most diverse palates around the world. 

The cocoa plant is believed to have originated in the Amazon some 4,000 years ago. In Central and South America, cocoa beans were considered valuable as food and also as a currency and religious symbol. 

Before the Spanish invasion of Mexico and central America in the 16th century, chocolate was a drink restricted to Aztec emperors and warriors. When it was brought to Europe by the Spanish, cocoa followed its trajectory as a food consumed by the elites and began to be used in different ways in different European countries. The Spanish nobility considered him a powerful aphrodisiac. In the words of historian Linda Civitello, it was the “Viagra of the sixteenth century”.  

For most of its history, chocolate was consumed in drink form. The solid and sweet form we know only emerged in the 19th century, resulting from industrialization. In 1828, the Dutchman Van Houten, from the processes of degreasing and alkalizing cocoa, enabled the large-scale manufacture of chocolate, both in powder and solid form, leading to the expansion of its manufacture in other European countries and the popularization of its consumption.

As chocolate became popular, its quality began to decline, especially due to adulterations. Cocoa butter, a central raw material for its manufacture, has become increasingly valued in the pharmaceutical and cosmetic industry.   Because of this, it was replaced in the manufacture of chocolates by other cheaper and lower quality vegetable fats.

In addition to adulteration, the popularization of chocolate has also set other problems, such as accelerated deforestation, especially in African countries, and the use of child labor in slavery in the cocoa harvest. 

Slave labour on cocoa plantations is not exactly new. Since the Spanish invasion of Central America and Mexico, local communities have been forced into this type of work. In 19th century Brazil, cocoa cultivation already involved slave labor. When cocoa seedlings were brought to the African continent of South America, around 1800, this reality gained other dimensions. 

The documentary The Dark Side of Chocolate (2010) showed the trafficking and forced labor of children in countries of the African continent, but this is a reality that also affects other countries including Brazil. The exploitation of the work of children and adolescents in slavery in the cocoa production chain is a reality, especially in Pará and Bahia, the country’s main cocoa producing states. 

Chocolate can still be considered a food of the gods, but its enormous ecological and social costs force us to see that its taste may not be as sweet as it seems.

O Chocolate pode não ser tão doce como parece

No dia sete de julho comemora-se o dia mundial do chocolate. Seu nome científico vem do grego, Theobroma cacao, e significa “alimento dos deuses”. Esse nome faz muito sentido para um alimento que, ao longo da sua história, conquistou os mais diversos paladares ao redor do mundo. 

Acredita-se que a planta do cacau tenha se originado na Amazônia há cerca de 4.000 anos. Nas Américas Central e do Sul, as sementes de cacau eram consideradas valiosas como alimento e também como moeda e símbolo religioso. 

Antes da invasão espanhola ao Mexico e América central, no século 16, o chocolate era uma bebida restrita a imperadores e guerreiros astecas. Quando foi levado para a Europa pelos espanhóis, o cacau seguiu sua trajetória como alimento consumido pelas elites e passou a ser utilizado de formas diversas em diferentes países europeus. A nobreza espanhola o considerava um afrodisíaco poderoso. Nas palavras da historiadora Linda Civitello, era o “Viagra do século XVI”.  

Na maior parte da sua história, o chocolate era consumido em forma de bebida. A forma sólida e adocicada que conhecemos somente surgiu no século 19, resultante da industrialização. Em 1828, o holandês Van Houten, a partir dos processos de desengorduramento e alcalinização do cacau, possibilitou a fabricação em larga escala de chocolate, tanto em pó quanto em forma sólida, levando à expansão de sua fabricação em outros países europeus e à popularização do seu consumo. 

À medida que o chocolate se popularizou, sua qualidade começou a declinar, sobretudo em razão de adulterações. A manteiga de cacau, matéria prima central para a sua confecção, passou a ser cada vez mais valorizada na indústria farmacêutica e cosmética.  Em razão disso, foi substituída na fabricação de chocolates por outras gorduras vegetais mais baratas e de menor qualidade.

Além da adulteração, a popularização do chocolate também configurou outras problemáticas, como o desmatamento acelerado, especialmente em países africanos,  e a utilização do trabalho infantil em regime de escravidão na colheita do cacau. 

O trabalho em regime de escravidão nas plantações de cacau não é algo propriamente novo. Desde a invasão dos espanhóis às Américas Central e México, comunidades locais foram forçadas a esse tipo de trabalho. No Brasil do século 19, o cultivo do cacau já envolvia o trabalho escravo. Quando mudas de cacau foram levadas para o continente africano da América do Sul, por volta de 1800, essa realidade ganhou outras dimensões. 

O documentário The Dark Side of Chocolate (2010) mostrou o tráfico e o trabalho forçado de crianças em países do continente africano, mas essa é uma realidade que também atinge outros países incluindo o Brasil. A exploração do trabalho de crianças e adolescentes em regime de escravidão na cadeia produtiva do cacau é uma realidade,sobretudo no Pará e na Bahia, principais estados produtores de cacau do país. 

O chocolate pode ainda ser considerado um alimento dos deuses, mas seus enormes custos ecológicos e sociais nos obrigam a enxergar que seu sabor pode não ser tão doce como parece.