Comida · Food · Food movies

Movies about food are also good for thinking

Yesterday I watched the French movie “Delicious: From the Kitchen to the World”. I watched it a little late because the movie was released in 2021. After the pandemic, I’ve rarely been to the movies and I’ve increasingly adopted the habit of watching movies on streaming platforms, so I’m conditioned to the release of movies on these platforms.

This is a story set months before the French Revolution. The movie portrays the privileges of an aristocracy that ended up provoking a popular uprising and the fall of the monarchy in France. In short, a cook working for a duke is fired because he decided to innovate by adding potatoes to one of his recipes – an ingredient restricted to consumption by the poorest at the time. The alternative he found to continue his trade was to open a restaurant.

The art direction is impeccable. There are some striking scenes that evoke still life paintings, taking us back to various classics of painting. Art within art.

The movie portrays a time when restaurants were born in France. It’s a love story, but above all for cooking and food. The plot doesn’t leave us long without images of the kitchen, the ingredients, the preparation of meats, breads, desserts and everything else that feeds the imagination related to food.

The film also extols classic French gastronomy, the rigor of its cooking techniques, the predominant use of butter, the refinement of the dishes, among other characteristics that to this day refer to this cuisine as an important pillar of world gastronomy.

Watching the movie, I remembered the opinion I had given the week before on an article for an academic journal on “Brazilian gastronomy”. Among other things, the text mentioned the influence of nouvelle cuisine on the appreciation of biodiversity in Brazilian gastronomy from the 1970s onwards, driven by the visit of some French chefs to Brazil during this period.

As well as noticing the reaffirmation of a certain colonialist viewpoint when referring to these chefs and their “discovery” of ingredients to be valued in the country’s cuisine, the text made me think about how the primer of French gastronomy is exalted in order to think about the gastronomy practiced in Brazil.

The idea that France is or always has been the epicenter of world gastronomy ends up explicitly or implicitly nourishing some discourses related to gastronomy in Brazil, despite important references, not only from indigenous, African and Portuguese cuisines, which have shaped food in the country, but also those related to immigrant cuisines. Added to this are the changes that have taken place since the 1970s and 1980s, when globalization processes intensified and were reflected in the various cuisines around the world, extending to Brazil.

Films with food as their central theme, as well as whetting our appetite or whetting our taste buds, can serve as a motivation to reflect on the kitchen as a space that is not just about following certain ready-made recipes.

Filmes sobre comida também são bons para pensar 

Ontem assisti ao filme francês “Delicioso: Da Cozinha para o Mundo”.  Assisti um pouco em atraso porque o filme foi lançado em 2021. Depois da pandemia, tenho ido raramente ao cinema e tenho adotado cada vez mais o hábito de assistir filmes em plataformas de streaming e por isso fico condicionada ao lançamento dos filmes nessas plataformas.

Trata-se de uma história ambientada meses antes da revolução francesa. O filme retrata os privilégios de uma aristocracia que acabaram provocando uma insurgência popular e a queda da monarquia na França. Resumidamente, um cozinheiro que trabalhava para um duque é demitido porque resolveu inovar colocando batata em uma das receitas – ingrediente restrito ao consumo pelos mais pobres à época. A alternativa encontrada para seguir com seu ofício foi abrir um restaurante.

A direção de arte é impecável. Chamam a atenção algumas cenas que evocam quadros com imagens de natureza morta nos reportando a diversos clássicos da pintura. A arte dentro da arte.  

O filme retrata uma época em que justamente nasceram os restaurantes na França. É uma história de amor, mas sobretudo pela cozinha e pela comida. O enredo não nos deixa muito tempo sem imagens da cozinha, dos ingredientes, do preparo das carnes, pães, sobremesas e tudo o que alimenta o imaginário relacionado à comida. 

O filme também exalta a gastronomia francesa clássica, o rigor das suas técnicas culinárias, a predominância do uso da manteiga, o refinamento dos pratos, entre outras características que até hoje referenciam essa cozinha como um pilar importante da gastronomia mundial. 

Assistindo ao filme lembrei do parecer que eu havia feito na semana anterior sobre um artigo para uma revista acadêmica que abordava “gastronomia brasileira”. Entre outros aspectos, o texto mencionava a influência da nouvelle cuisine para a valorização da biodiversidade na gastronomia brasileira a partir da década de 1970, impulsionada pela visita de alguns chefs franceses ao Brasil nesse período. 

Afora perceber a reafirmação de uma certa ótica colonialista ao fazer referência a esses chefs e a sua “descoberta” de ingredientes a serem valorizados na culinária do país, o texto me fez pensar em como a cartilha da gastronomia francesa é exaltada para se pensar a gastronomia praticada no Brasil.  

A ideia de que a França é ou sempre foi o epicentro da gastronomia mundial acaba nutrindo de forma explícita ou implícita alguns discursos relacionados à gastronomia no Brasil, apesar de referências importantes, não somente das cozinhas indígena, africana e portuguesa, que configuraram a alimentação no país, mas também daquelas relacionadas a culinárias de imigrantes. Somam-se a isso as mudanças ocorridas a partir das décadas de 1970 e 1980, quando houve uma intensificação dos processos relacionados à globalização refletindo-se nas diversas cozinhas ao redor do globo, estendendo-se ao Brasil. 

Os filmes que possuem a comida como tema central, além de nos abrir o apetite ou aguçar nosso paladar, podem servir de motivação para se refletir sobre a cozinha como um espaço que não se resume a seguir a cartilha de certas receitas prontas. 

Leave a comment