Comida · Food

Food, food waste and what I’ve learned over the years

Foto: Jean-Christophe Verhaegen/AFP Fonte: Fao.org


In recent years, especially since I started researching the topic of sustainability in relation to food and wine production, I have come to see food waste through a magnifying glass. At the same time, in my daily life, I began to feel increasingly uncomfortable with this waste and a need to get around it, at least in terms of the possibilities I have in this regard.

A series of events made me more open to changing my habits in order to avoid food waste. The fact that I have embraced vegetarianism for several years has helped me expand my food repertoire and deal with food in a different way. When cooking, I began to make the most of vegetables and fruit, incorporating their peelings, stalks and leaves into recipes, i.e. parts of the plant that are usually discarded. For example, I started cooking pumpkin with the peel on, using the stalks of broccoli, cauliflower and parsley, as well as leaves such as beet and celery.

Over time, as I began to delve deeper into academic research related to the issues surrounding the production of waste based on the theme of sustainability, I adopted another tactic. Instead of buying food with a view to creating certain recipes, I started cooking mainly from what I buy at the agroecological market at the end of the week.

As a result, I got into the habit of conditioning my diet to the seasonality of fruit and vegetables. In addition, I’ve started to avoid throwing food away or letting it spoil without making use of it, and one of the solutions to prevent this from happening has been to reduce the amount of food I buy. Freezing surplus food or ingredients has also become a resource in the same sense.

Perhaps these examples are absolutely basic or minimal in terms of sustainability in the kitchen, but little by little I’m learning more about the subject and trying to improve myself. I’ve never really considered myself an environmental activist, not least because actions in this direction go far beyond the kitchen. Apart from that, I confess that, despite all my efforts, I don’t always manage to follow all these self-imposed “rules” to the letter. Sometimes I end up buying too much food and many of these foods don’t wait with the same vitality until I feel like including them in a recipe or some other unforeseen situation causes me to postpone their consumption, such as having a craving for some other food or even choosing to eat some meals away from home.

According to FAO data, a third of the food produced in the world is lost or wasted every year. Producing food also always involves exploiting the environment, what are known as “natural resources”. Food waste and food loss are also related to greenhouse gas emissions. At a time like today, when the environment is increasingly under pressure, the environmental crisis is intensifying and both hunger and food insecurity still haunt the world, it is totally incoherent to produce food and waste it or let it spoil.

However, it’s true that no one makes the decision to buy food only to not eat it or let it expire in the fridge. Just as eating behavior involves many factors and cannot be simplified, the same is true of food waste. David Evans, in the book Food Waste, the result of his research on this subject, points out that, in domestic consumption, food becomes “surplus” as a result of processes that are related to factors that include everything from the ways in which food is made available in supermarkets (for example, packages with a large volume of a particular food), to domestic routines that include definitions of what is adequate food, and does not necessarily have to do with the intention to waste food, with irresponsibility or not caring about this waste.

What’s more, it’s always good to remember that it’s not just in the domestic environment that food is wasted or lost. This process starts much earlier, in the fields, where food is produced, and also includes the handling and transportation stages, supply centers, supermarkets and consumers. Not that this absolves families or individuals of their responsibility and the need to cultivate more conscious consumption, but the issue must be looked at and dealt with from a much broader perspective, involving specific policies, planning and technologies.

Another point is that the approach cannot be generalized, since food waste in the domestic environment is much higher in more economically advantaged countries, where people have greater purchasing power. According to the FAO, waste in developed countries is as high as 40% in the final chain. In developing countries, the biggest problem is food loss related to a lack of planning and conservation technologies.

To conclude, although the problem of food waste or loss is complex and its incidence cannot be generalized, the fact is that its consequences have contributed to exacerbating problems in the social, environmental, cultural and economic spheres, with increasingly global repercussions. In recent months, unfortunately, extreme weather events around the world have shown that these consequences are no longer just a prediction for a distant future.

Comida, desperdício alimentar e o que venho aprendendo ao longo dos anos

Nos últimos anos, especialmente depois que comecei a pesquisar o tema da sustentabilidade relacionado à alimentação e à produção de vinhos, passei a enxergar o desperdício alimentar com uma lente de aumento. Ao mesmo tempo, no meu cotidiano, comecei a sentir um incômodo cada vez maior com esse desperdício e uma necessidade de contorná-lo, ao menos no que diz respeito às possibilidades que tenho nesse sentido. 

Uma sucessão de fatos fez com que eu me tornasse mais permeável à mudança de hábitos relacionada a evitar o desperdício de alimentos. O fato de ter abraçado o vegetarianismo por vários anos ajudou a expandir meu repertório alimentar e a lidar com os alimentos de uma outra forma. Ao cozinhar, comecei a aproveitar ao máximo legumes, verduras e frutas, incorporando nas receitas suas cascas, talos, folhas, ou seja, partes da planta que geralmente são descartadas. Por exemplo, passei a cozinhar a abóbora com a casca, a utilizar os talos do brócoles, da couve-flor, da salsa e também folhas, como as da beterraba e as do aipo. 

Com o passar do tempo, à medida que comecei a mergulhar mais a fundo na pesquisa acadêmica relacionada às problemáticas envolvendo a produção de resíduos a partir do tema da sustentabilidade, adotei uma outra tática. Em vez de comprar os alimentos pensando em criar determinadas receitas, passei a cozinhar principalmente a partir do que compro na feira agroecológica aos finais de semana e do que tenho disponível na minha geladeira.

Dessa forma, criei o hábito de condicionar minha alimentação também à sazonalidade de frutas, legumes e verduras. Além disso, passei a evitar ao máximo jogar alimentos fora ou deixar que estraguem sem aproveitá-los e uma das soluções para isso não acontecer foi reduzir a quantidade de alimentos comprados. O congelamento de excedentes de comida ou de ingredientes também se tornou um recurso no mesmo sentido. 

Talvez esses exemplos sejam absolutamente básicos ou mínimos, em termos de sustentabilidade na cozinha, mas aos poucos vou aprendendo mais sobre o assunto e tentando me aprimorar. Nunca me considerei propriamente uma ativista ambiental, até porque ações nesse sentido vão muito além da cozinha. Afora isso, confesso que, apesar de todos os meus esforços, nem sempre consigo seguir todas essas “regras” autoimpostas à risca. Algumas vezes, acabo comprando alimentos demais e muitos desses alimentos não esperam com a mesma vitalidade até que eu tenha vontade de incluí-los em uma receita ou que alguma outra situação não prevista me faça adiar o seu consumo, como ter vontade de comer alguma outra comida ou mesmo optar por fazer algumas refeições fora de casa. 

Segundo dados da FAO, um terço da comida produzida no mundo é perdida ou desperdiçada todos os anos. Produzir alimentos também envolve sempre explorar o meio ambiente, o que se chama “recursos naturais”. O desperdício de alimentos e a perda de alimentos também estão relacionados a emissões de gases de efeito estufa. Em uma época como a de hoje, em que o meio ambiente está cada vez mais sob pressão, a crise ambiental vem se acirrando e tanto a fome quanto a insegurança alimentar ainda assombram o mundo, é totalmente uma incoerência produzir alimentos e desperdiçá-los ou deixar que estraguem. 

Mas é certo que ninguém toma a decisão de comprar alimentos para não os consumir ou deixar que percam sua validade na geladeira. Assim como o comportamento alimentar envolve muitos fatores, não podendo ser simplificado, o mesmo ocorre com o desperdício ou a perda de alimentos. David Evans, no livro Food Waste, resultante de sua pesquisa sobre este tema, ressalta que, no consumo doméstico, alimentos tornam-se “excedente” como resultado de processos que tem relação com fatores que incluem desde as formas como os alimentos são disponibilizados nos supermercados (por exemplo, embalagens com grande volume de um determinado alimento), até rotinas domésticas que incluem as definições sobre o que é alimentação adequada, e não necessariamente tem a ver com a intenção de se desperdiçar alimentos, com uma irresponsabilidade ou não se importar com esse desperdício. 

Além do mais, é sempre bom lembrar que não é apenas no ambiente doméstico que ocorre o desperdício ou a perda de alimentos. Esse processo começa bem antes, desde o campo, onde são produzidos os alimentos, e inclui ainda as etapas de manuseio e transporte, as centrais de abastecimento, os supermercados até chegar nos consumidores. Portanto, não que isso isente a responsabilidade de famílias ou indivíduos e da necessidade de cultivarem um consumo mais consciente, mas a questão deve ser observada e tratada de uma perspectiva bem mais ampla, envolvendo políticas específicas, planejamento e tecnologias. 

Um outro ponto é que não se pode generalizar o enfoque, já que o desperdício alimentar no ambiente doméstico é muito maior em países mais favorecidos economicamente, em que os indivíduos tem maior poder aquisitivo. Segundo a FAO, o desperdício em países desenvolvidos chega a ser de 40% na cadeia final. Nos países em desenvolvimento, o problema maior é a perda de alimentos relacionada à falta de planejamento e tecnologias de conservação. 

Para concluir, se o problema do desperdício ou perda alimentar é algo complexo e, ao mesmo tempo, não se pode generalizar a sua incidência, o fato concreto é que, as suas consequências vêm contribuindo para acirrar problemáticas em âmbitos social, ambiental, cultural e econômico com repercussão cada vez mais global. Nos últimos meses, infelizmente, eventos climáticos extremos ao redor do mundo vêm mostrando que essas consequências já não são mais somente uma previsão para um futuro distante. 

Comida · Food · Food movies

Movies about food are also good for thinking

Yesterday I watched the French movie “Delicious: From the Kitchen to the World”. I watched it a little late because the movie was released in 2021. After the pandemic, I’ve rarely been to the movies and I’ve increasingly adopted the habit of watching movies on streaming platforms, so I’m conditioned to the release of movies on these platforms.

This is a story set months before the French Revolution. The movie portrays the privileges of an aristocracy that ended up provoking a popular uprising and the fall of the monarchy in France. In short, a cook working for a duke is fired because he decided to innovate by adding potatoes to one of his recipes – an ingredient restricted to consumption by the poorest at the time. The alternative he found to continue his trade was to open a restaurant.

The art direction is impeccable. There are some striking scenes that evoke still life paintings, taking us back to various classics of painting. Art within art.

The movie portrays a time when restaurants were born in France. It’s a love story, but above all for cooking and food. The plot doesn’t leave us long without images of the kitchen, the ingredients, the preparation of meats, breads, desserts and everything else that feeds the imagination related to food.

The film also extols classic French gastronomy, the rigor of its cooking techniques, the predominant use of butter, the refinement of the dishes, among other characteristics that to this day refer to this cuisine as an important pillar of world gastronomy.

Watching the movie, I remembered the opinion I had given the week before on an article for an academic journal on “Brazilian gastronomy”. Among other things, the text mentioned the influence of nouvelle cuisine on the appreciation of biodiversity in Brazilian gastronomy from the 1970s onwards, driven by the visit of some French chefs to Brazil during this period.

As well as noticing the reaffirmation of a certain colonialist viewpoint when referring to these chefs and their “discovery” of ingredients to be valued in the country’s cuisine, the text made me think about how the primer of French gastronomy is exalted in order to think about the gastronomy practiced in Brazil.

The idea that France is or always has been the epicenter of world gastronomy ends up explicitly or implicitly nourishing some discourses related to gastronomy in Brazil, despite important references, not only from indigenous, African and Portuguese cuisines, which have shaped food in the country, but also those related to immigrant cuisines. Added to this are the changes that have taken place since the 1970s and 1980s, when globalization processes intensified and were reflected in the various cuisines around the world, extending to Brazil.

Films with food as their central theme, as well as whetting our appetite or whetting our taste buds, can serve as a motivation to reflect on the kitchen as a space that is not just about following certain ready-made recipes.

Filmes sobre comida também são bons para pensar 

Ontem assisti ao filme francês “Delicioso: Da Cozinha para o Mundo”.  Assisti um pouco em atraso porque o filme foi lançado em 2021. Depois da pandemia, tenho ido raramente ao cinema e tenho adotado cada vez mais o hábito de assistir filmes em plataformas de streaming e por isso fico condicionada ao lançamento dos filmes nessas plataformas.

Trata-se de uma história ambientada meses antes da revolução francesa. O filme retrata os privilégios de uma aristocracia que acabaram provocando uma insurgência popular e a queda da monarquia na França. Resumidamente, um cozinheiro que trabalhava para um duque é demitido porque resolveu inovar colocando batata em uma das receitas – ingrediente restrito ao consumo pelos mais pobres à época. A alternativa encontrada para seguir com seu ofício foi abrir um restaurante.

A direção de arte é impecável. Chamam a atenção algumas cenas que evocam quadros com imagens de natureza morta nos reportando a diversos clássicos da pintura. A arte dentro da arte.  

O filme retrata uma época em que justamente nasceram os restaurantes na França. É uma história de amor, mas sobretudo pela cozinha e pela comida. O enredo não nos deixa muito tempo sem imagens da cozinha, dos ingredientes, do preparo das carnes, pães, sobremesas e tudo o que alimenta o imaginário relacionado à comida. 

O filme também exalta a gastronomia francesa clássica, o rigor das suas técnicas culinárias, a predominância do uso da manteiga, o refinamento dos pratos, entre outras características que até hoje referenciam essa cozinha como um pilar importante da gastronomia mundial. 

Assistindo ao filme lembrei do parecer que eu havia feito na semana anterior sobre um artigo para uma revista acadêmica que abordava “gastronomia brasileira”. Entre outros aspectos, o texto mencionava a influência da nouvelle cuisine para a valorização da biodiversidade na gastronomia brasileira a partir da década de 1970, impulsionada pela visita de alguns chefs franceses ao Brasil nesse período. 

Afora perceber a reafirmação de uma certa ótica colonialista ao fazer referência a esses chefs e a sua “descoberta” de ingredientes a serem valorizados na culinária do país, o texto me fez pensar em como a cartilha da gastronomia francesa é exaltada para se pensar a gastronomia praticada no Brasil.  

A ideia de que a França é ou sempre foi o epicentro da gastronomia mundial acaba nutrindo de forma explícita ou implícita alguns discursos relacionados à gastronomia no Brasil, apesar de referências importantes, não somente das cozinhas indígena, africana e portuguesa, que configuraram a alimentação no país, mas também daquelas relacionadas a culinárias de imigrantes. Somam-se a isso as mudanças ocorridas a partir das décadas de 1970 e 1980, quando houve uma intensificação dos processos relacionados à globalização refletindo-se nas diversas cozinhas ao redor do globo, estendendo-se ao Brasil. 

Os filmes que possuem a comida como tema central, além de nos abrir o apetite ou aguçar nosso paladar, podem servir de motivação para se refletir sobre a cozinha como um espaço que não se resume a seguir a cartilha de certas receitas prontas. 

Comida · Food · Italy · Sicily

Prickly pear and the future of food 

Photography by Carla Rocha – Prickly pears in Sicily

In my mind, the image of a garden of delights would be one full of fruit. I’ve loved fruit since childhood, it was something that could never be missing at home. I’m always curious to try varieties I don’t know yet and it’s an even more special pleasure when I can pick the fruit straight from the tree. 

On a trip to the Sicily region of Italy, walking along some streets in the town of Messina, I came across several cacti full of prickly pears (Opuntia ficus). Unlike other fruits, I restrained myself from picking them straight from the tree because almost the entire surface of the fruit is covered in thorns, requiring a certain amount of care when picking them. 

The prickly pear is a fruit that has been cultivated for millennia in Central America and in dry tropical and subtropical regions of the world. It is found in several countries, including some in Europe, where it was introduced in the 16th century by Spanish sailors. In Brazil, it is grown in the northeastern states. 

As I hadn’t yet had the opportunity to find this fruit in Brazil, I took the opportunity to try it in Italy. The taste is somewhat similar to watermelon. I confess that the prickly pear didn’t completely win over my taste buds, but the opportunity to taste it and see how it is valued and consumed in some countries made me think about the future of our diet, more specifically, how we underestimate or don’t take advantage of many foods as we could or should. 

In southern Italy, as well as being eaten fresh, the prickly pear is found as a base for jams, jellies, ice creams, drinks or as dried fruit for later consumption. It can even be found in restaurants served as a dessert. 

Photography by Carla Rocha – prickly pear in a market in Sicily

In Brazil, the prickly pear is eaten fresh or in some recipes in the northeast region, where it is found. Brazil is the world’s largest producer of “forage palm” (Nopalea cochenillifera), the name by which the prickly pear paddle is known in the country. Despite the plant’s nutritional benefits, as it is rich in calcium, vitamin C and magnesium, most of its cultivation in Brazil is destined for animal feed. 

In Mexico, on the other hand, we have a very clear example of how to make the most of a plant. In that country, the prickly pear is eaten fresh, in the form of juices, jellies and cocktails, but it is mainly the prickly pear paddles that plays a leading role in human nutrition. Known in this country as nopal, the cactus racket is considered a staple food by the population. As well as being present in a wide variety of food and drink recipes, the nopal is considered a symbol of Mexican identity, even featuring on the country’s flag. In addition, this species of cactus is also cultivated as a host plant for the cochineal insect, which feeds on the cactus’ sap to produce carminic acid, a dark red dye used in food, various drinks and also in cosmetics and textiles.

Valdely Kinupp, a Brazilian botanist and author of the book “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil” (in which the forage palm is included), notes that most of the food available in the world comes from 20 types of plants, although it is estimated that 30,000 plant species have edible parts. Many of these plants that could be part of the human diet are completely neglected or underused. The result is that dietary diversity is being progressively reduced in favor of an increasingly nutrient-poor diet. 

Photography by Carla Rocha – Peeled prickly pear

According to Taras Grescoe, author of the book The lost supper: searching for the future of food in the flavors of the past, instead of the standard global diet, based on industrial monocultures, the destruction of the planet and our health, future food security would lie in the genetic wealth offered by forgotten and almost lost foods. For this author, we should look to the past and the food diversity that has existed throughout our existence and which is being lost. 

Therefore, the reference to the prickly pear to think about the future of food was to highlight just one of many other fruits and plants that are ignored or not exploited as they could or should be. Taking into account the current food landscape, which is increasingly based on predatory agro-industry, if we don’t try to make positive use of what is left of the planet’s biodiversity, the future of food can be much more thorny than the bark of the prickly pear.

Figo-da-índia e o futuro da alimentação

Na minha mente, a imagem de um jardim das delícias seria aquele repleto de frutas. Adoro frutas desde a infância, era algo que nunca podia faltar em casa. Sempre tenho curiosidade de provar variedades que ainda não conheço e um prazer ainda mais especial quando posso colher a fruta direto da árvore. 

Em uma viagem pela região da Sicília, na Itália, caminhando por algumas ruas da cidade de Messina, encontrei vários cactos repletos de figo-da-índia. Ao contrário de outras frutas, me contive em colhê-los diretamente do pé porque quase toda a superfície da fruta é coberta por espinhos, exigindo um certo cuidado na hora de apanhá-los.

O figo-da-índia é uma fruta cultivada há milênios na América Central e em regiões tropicais e subtropicais secas do mundo. É encontrada em diversos países, incluindo alguns da Europa, onde teria sido introduzida no século XVI por marinheiros espanhóis. No Brasil, é cultivada em estados da região nordeste. 

Como ainda não havia tido a oportunidade de encontrar essa fruta no Brasil, aproveitei para prová-la na Itália. O sabor se assemelha um pouco ao da melancia. Confesso que o figo-da-índia não conquistou completamente o meu paladar, mas a oportunidade de prová-la e perceber como é valorizada e consumida em alguns países me fez pensar no futuro da nossa alimentação, mais especificamente, em como subestimamos ou não aproveitamos inúmeros alimentos como poderíamos ou deveríamos. 

Na região sul da Itália, além de ser consumido fresco, o figo-da-índia é encontrado como base para geleias, compotas, sorvetes, bebidas ou então na forma de fruta seca para consumo posterior. Pode-se encontrar até mesmo em restaurantes servida como sobremesa. 

No Brasil, o figo-da-índia é consumido fresco ou em algumas receitas na região nordeste, onde é encontrado. O Brasil é o maior produtor mundial da palma forrageira (Nopalea cochenillifera), nome pelo qual é conhecido no país o cacto de onde provém o figo-da-índia. Apesar dos benefícios da planta em termos nutricionais, já que é rica em cálcio, vitamina C e magnésio, a maior parte do seu cultivo no Brasil é destinado à alimentação animal. 

Já no México, podemos ter um exemplo bem nítido de como se pode aproveitar ao máximo uma planta. Nesse país, o figo-da-índia é consumido fresco, em forma de sucos, geleias e coquetéis, mas é principalmente o cacto que ganha protagonismo na alimentação humana. Conhecido nesse país como nopal, a “raquete” do cacto é considerada um alimento básico pela população. Além de estar presente nas mais diversas receitas de comidas e bebidas, o nopal é considerado um símbolo da identidade mexicana, presente até mesmo na bandeira do país. Além disso, esta espécie de cacto também é cultivada como planta hospedeira do inseto cochonilha, que se alimenta da seiva do cacto para produzir o ácido carmínico, um corante vermelho escuro utilizado em alimentos, diversas bebidas e também em cosméticos e tecidos. 

Valdely Kinupp, botânico brasileiro e autor do livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil” (no qual a palma forrageira está incluída), observa que a maior parte dos alimentos disponíveis no mundo são provenientes de 20 tipos de plantas, embora seja estimado que 30 mil espécies vegetais possuam partes comestíveis. Muitas dessas plantas que poderiam integrar a alimentação humana são absolutamente negligenciadas ou pouco utilizadas. O resultado é que a diversidade alimentar vai sendo progressivamente reduzida em favor de uma dieta cada vez mais pobre em nutrientes. 

De acordo com Taras Grescoe, autor do livro The lost supper: searching for the future of food in the flavors of the past, em vez da dieta padrão global, baseada nas monoculturas industriais, na destruição do planeta e da nossa saúde, a segurança alimentar futura residiria na riqueza genética oferecida pelos alimentos esquecidos e quase perdidos. Para esse autor, deveríamos olhar para o passado e para a diversidade alimentar vigente ao longo da nossa existência e que vem se perdendo. 

Portanto, a referência ao figo-da-índia para pensar o futuro da alimentação foi para salientar apenas uma dentre tantas outras frutas e plantas ignoradas ou não exploradas como poderiam ou deveriam. Levando em conta o panorama alimentar atual, cada vez mais baseado na agroindústria predatória, se não tentarmos aproveitar positivamente o que ainda resta da biodiversidade do planeta, o futuro da alimentação pode ser muito mais espinhoso que a casca do figo-da-índia.

Comida · Food

3D Printed Food: The Future of Food?

Credit Photography: Revo Foods

An Austrian company specializing in vegan food has launched a 3D-printed vegan salmon fillet. Called “THE FILET – Inspired by Salmon”, this algae-based product is rich in protein and omega-3 fatty acid, and has been developed to offer a taste and texture similar to salmon.

The main motivation behind this product is to meet the growing demand for vegan and vegetarian food options, which are gaining more and more followers around the world. In Brazil, it is estimated that by 2023, more than 40 million people, or 20% of the national population, will adopt this style of eating. There are also an estimated ten million vegans in the country.

The production of this vegan “salmon” also embraces a more sustainable food perspective. It presents itself as an alternative for tackling the challenges of overfishing, which damages the oceans, and for reducing exposure to toxic residues present in marine fish, such as mercury, which also affect human health.

Since the 1980s, world consumption of salmon has tripled, and the trend is for this demand to continue to grow in the coming years. Although most of the salmon consumed today comes from marine farms, many of them raise concerns, as the fish are often fed with feed and can be subject to disease, resulting in the intensive use of antibiotics, as reported by environmental organizations. In addition, we must consider the environmental impact of these marine farms on ocean ecosystems.

The question that arises is this: is this production of 3D-printed food a glimpse into the future of food? Are we moving towards a diet based on computer files and printers rather than natural ingredients? However, if we consider the large number of ultra-processed products that already dominate the market, most of which have negative impacts on health, we can argue that we have already been experiencing the future of food for some time. It is therefore essential to reflect on how to balance the convenience of technology with quality and sustainability.

Comida Impressa em 3D: O Futuro da Alimentação?

Uma empresa austríaca especializada em alimentos veganos lançou um filé de salmão vegano impresso em 3D. Chamado de “THE FILET – Inspired by Salmon”, este produto à base de algas é rico em proteínas e ácido graxo ômega-3, além de ter sido desenvolvido para oferecer sabor e textura semelhantes ao salmão.

A principal motivação por trás desse produto é atender à crescente demanda por opções alimentares veganas e vegetarianas, que estão ganhando cada vez mais adeptos em todo o mundo. No Brasil, estima-se que até 2023, mais de 40 milhões de pessoas, ou seja, 20% da população nacional, adotarão esse estilo de alimentação. Além disso, há uma estimativa de cerca de dez milhões de veganos no país.

A produção desse “salmão” vegano também abraça uma perspectiva de alimentação mais sustentável. Ele se apresenta como uma alternativa para enfrentar os desafios da pesca excessiva, que prejudica os oceanos, e para reduzir a exposição a resíduos tóxicos presentes em peixes marinhos, como o mercúrio, que também afetam a saúde humana.

Desde a década de 1980, o consumo mundial de salmão triplicou, e a tendência é que essa demanda continue a crescer nos próximos anos. Embora a maior parte do salmão consumido atualmente seja proveniente de fazendas marinhas, muitas delas levantam preocupações, pois os peixes são frequentemente alimentados com ração e podem estar sujeitos a doenças, resultando no uso intensivo de antibióticos, conforme relatado por organizações ambientais. Além disso, devemos considerar o impacto ambiental dessas fazendas marinhas nos ecossistemas oceânicos.

A questão que surge é a seguinte: essa produção de alimentos impressos em 3D é um vislumbre do futuro da alimentação? Estaremos caminhando para uma dieta baseada em arquivos de computador e impressoras em vez de ingredientes naturais? No entanto, se considerarmos a grande quantidade de produtos ultra-processados que já dominam o mercado, a maioria deles com impactos negativos na saúde, podemos argumentar que já estamos vivenciando o futuro da alimentação há algum tempo. Portanto, é essencial refletir sobre como equilibrar a conveniência da tecnologia com a qualidade e a sustentabilidade de nossas escolhas alimentares.

Comida · Food · Italy · Sicily

A market in Sicily and the local culinary grammar

Photography by Carla Rocha – Market in Sicily

The author of the phrase “markets are the stomachs of cities” remains unclear, but this definition resonates deeply when we look at these places. In them, we can closely observe the eating habits of the local population, the seasonality of certain foods, and the basic ingredients of local and regional recipes. What’s more, these spaces reveal a great deal about everyday life in cities.

In recent years, we have witnessed a phenomenon of gentrification in various food markets around the world. Many of them have been transformed into places that more closely resemble gourmet boutiques, in line with the growing trend toward the “gourmetization” of food. This in turn can be interpreted as a process of homogenization in which these spaces lose their uniqueness, history and identity. They become “non-places”, as the anthropologist Marc Augé would define them.

Photography by Carla Rocha – variety of eggplants

Phography by Carla Rocha – variety of beans

Whenever I visit a new city, I take the time to explore a local market. It’s as if in these places I find clues to unraveling the grammar of a region’s food culture. It is a rare privilege these days to find a market with local products, away from the tourist crowds and frequented mainly by the local population.

Recently, while exploring the charming city of Messina in Sicily, southern Italy, I had the opportunity to visit the Sant’Orsola market. Although it’s a small market, with proportions in the “human dimension,” as a friend would say, it made me think about the fundamental role that markets play in cities.

Photography by Carla Rocha – Caper

As I walked around the stalls, the vendors proudly offered me their wares. One of the regulars noticed my interest in capturing the essence of the place and willingly stood in front of my camera to be photographed, assuring me that he would be there if I needed anything. Amidst the variety of local products I had recently discovered, I felt at home.

Messina is a relatively small city of about 250,000 people, but its history is rich and fascinating. Situated on the shores of the Mediterranean Sea, Messina has always been a crossroads for other regions of Italy, which over the centuries has favored invasions and the influence of various peoples, such as the Phoenicians, Greeks, Romans, Byzantines, Arabs, Turks, Spaniards and French, which is vividly reflected in its cuisine.

Photography by Carla Rocha – Fish cuts

In the last two centuries, the city has faced earthquakes, malaria outbreaks and the devastation caused by the Second World War. The market of Sant’Orsola is an essential part of this history, where you can find foods that are a testimony of Sicily’s history, such as salted capers, olives, Stocco fish, prickly pears, a variety of aubergines, peppers and tomatoes, as well as a variety of seasonal fruits and vegetables.

Photography by Carla Rocha Sant’Orsola Market

Despite its precarious construction, the market of Sant’Orsola is a living part of Sicily, a region that in a certain way concentrates the memory of the past and the resistance to change. It is the antithesis of the words of Giuseppe Tomasi di Lampedusa in “The Leopard” (Il Gattopardo), when he referred to the processes of modernization in Sicily in the 19th century: “If we want everything to remain as it is, everything must change.”

Nevertheless, this market is a living testimony to Sicily’s rich culinary heritage and the resilience of its food culture in the face of changing times.

Um mercado na Sicília e a gramática culinária local

A autoria da frase “os mercados são o estômago das cidades” permanece incerta, mas essa definição ressoa de maneira profunda quando consideramos esses locais. Neles, podemos observar de perto os hábitos alimentares da população local, a sazonalidade de certos alimentos e os ingredientes fundamentais das receitas locais e regionais. Além disso, esses espaços revelam muito sobre a vida cotidiana das cidades.

Nos últimos anos, temos testemunhado um fenômeno da gentrificação em diversos mercados de alimentos ao redor do mundo. Muitos deles têm se transformado em locais que mais se assemelham a butiques gourmet, alinhados com a crescente tendência de “gourmetização” da alimentação. Isso, por sua vez, pode ser interpretado como um processo de homogeneização, no qual esses espaços perdem sua singularidade, sua história e sua identidade. Eles se tornam “não-lugares”, como definiria o antropólogo Marc Augé.

Sempre que visito uma nova cidade, reservo um tempo para explorar algum mercado local. É como se nesses lugares eu encontrasse pistas para desvendar sobretudo a gramática da cultura alimentar de uma região. Encontrar um mercado com produtos locais, longe do agito turístico e frequentado principalmente pela população da cidade, é um privilégio raro nos dias de hoje.

Recentemente, enquanto explorava a encantadora cidade de Messina, na Sicília, sul da Itália, tive a oportunidade de conhecer o mercado Sant’Orsola. Embora seja um mercado pequeno, com proporções na “dimensão humana”, como diria um amigo, ele me levou a refletir sobre o papel fundamental que os mercados desempenham nas cidades.

Enquanto percorria as barracas, os comerciantes me ofereciam seus produtos com orgulho. Um dos frequentadores percebeu meu interesse em capturar a essência do local e se colocou voluntariamente diante da minha câmera, pronto para ser fotografado, assegurando-me que estaria à disposição caso eu precisasse de algo. Em meio à variedade de produtos locais que recentemente havia descoberto, me senti em casa.

Messina é uma cidade de porte relativamente pequeno, com cerca de 250 mil habitantes, mas sua história é rica e fascinante. Localizada às margens do Mediterrâneo, Messina sempre foi um ponto de passagem para outras regiões da Itália, o que ao longo dos séculos favoreceu invasões e, em consequência, a influência de diversos povos, como os fenícios, gregos, romanos, bizantinos, árabes, turcos, espanhóis e franceses, refletindo-se vividamente em sua culinária.

Nos últimos dois séculos, a cidade enfrentou terremotos, surtos de malária e a devastação causada pela Segunda Guerra Mundial. O mercado Sant’Orsola, em sua essência, encapsula essa história, incorporando os alimentos que são testemunhas da trajetória da Sicília, como alcaparras salgadas, azeitonas, peixe stocco, figo-da-índia, variedade de berinjelas, pimentões e tomates, além de uma diversidade de frutas, verduras e legumes da estação.

Apesar da sua edificação precária, o mercado Sant’Orsola é uma parte viva da Sicília, uma região que, de certa forma, concentra a memória do passado e uma resistência à mudança. Ele representa uma antítese das palavras de Giuseppe Tomasi di Lampedusa em “O Leopardo” (Il Gattopardo), quando se referiu aos processos de modernização da Sicília no século XIX: “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude.”

Mesmo assim, esse mercado não deixa de ser um testemunho vivo da rica herança culinária da Sicília e da resiliência de sua cultura alimentar em face das transformações do tempo.

Comida · Food

Pastéis de nata: my taste of Lisbon

Photography by Carla Rocha – Pastel de nata

When we arrive in a new city, especially in another country, we begin by observing its main features, noticing its sounds, its smells, the flow of people, the environment, until we begin to become familiar with the place. The food we find in that city is an important element because it can make a decisive contribution to this familiarization. For me, one of the most important examples of this is pastel de nata, the most famous sweet in Portugal, which has undoubtedly contributed to my familiarity with the city of Lisbon.

Pastel de nata is a dessert made of puff pastry, sugar, egg yolk and cream. It is usually eaten warm, after the ritual of sprinkling it with a little sugar and cinnamon. Eating a pastel de nata with an espresso or port wine is an absolutely perfect combination!

Lisbon is a vibrant city, always with new gastronomic innovations. The pastel de nata is like a visiting card for the city, at the same time representing a certain permanence in the face of so many changes, through its aroma, taste and texture, based on a recipe that has been repeated since the 19th century.

Photography by Carla Rocha – preparation of the pastel de nata

In some of the pastry shops in Lisbon that specialize in pasteis de nata, while you eat the sweet, you can watch some of the stages of its preparation from behind a counter. You can see the puff pastry being placed in small moulds and the next stage, when these moulds are filled with a slightly creamy filling and then baked.

Photography by Carla Rocha – preparation of the pastel de nata

There are those who argue that there are subtle differences in the pasteis de natas of Lisbon’s main pastry shops. And perhaps it is precisely the search for the best pasteis de nata in the city that makes tourists wander from place to place to taste the sweet. This journey turns this popular Portuguese monastic pastry into an irresistible addiction.

Over time, some foods are updated, reinterpreted or varied with new ingredients. There are some foods that don’t need any of this. Pastel de natas is one of them. The permanence of its centuries-old flavor is always an invitation to any palate to enjoy an unforgettable taste of Lisbon.

Pastéis de nata: o meu sabor de Lisboa 

Quando chegamos em uma nova cidade, especialmente de um outro país, iniciamos por observar seus traços principais, perceber seus sons, seus aromas, o fluxo de pessoas, os ambientes, até começarmos a nos familiarizar com aquele lugar. A comida que encontramos nessa cidade é um elemento importante porque pode contribuir de modo decisivo para essa familiarização. Para mim, um dos exemplos mais significativos disso é o pastel de nata, o doce mais referenciado em Portugal e que, sem dúvidas, contribuiu para a minha familiarização com a cidade de Lisboa. 

O pastel de nata é um doce preparado à base de massa folhada, açúcar, gemas e nata. Geralmente, come-se quente, depois de obedecer a um ritual de polvilhá-lo com um pouco de açúcar e canela. Comer um pastel de nata com um café expresso ou com um vinho do porto é uma combinação absolutamente perfeita!  

Lisboa é uma cidade vibrante, sempre com diversas novidades gastronômicas. O pastel de nata é como um cartão de visitas da cidade, ao mesmo tempo em que representa uma certa permanência diante de tantas mudanças, através do seu aroma, sabor e textura, a partir de uma receita que tem sido repetida desde o século 19.

Em algumas das confeitarias especializadas em pasteis de nata em Lisboa, enquanto se ingere o doce, é possível assistir a algumas etapas do seu preparo por detrás de um balcão. Podemos assistir à distribuição da massa folhada em pequenas forminhas e sua etapa seguinte, quando essas forminhas são preenchidas com um recheio ligeiramente cremoso, para então serem levadas ao forno. 

Acompanhar essas etapas de preparação do pastel de natas, a série de forminhas sendo preenchidas manualmente e de maneira uniforme, é algo quase hipnotizante. E é inevitável nos perguntarmos: Como um doce preparado de maneira tão simples pode ser tão delicioso? Mas essa ideia de simplicidade que aqueles gestos transmitem pode ser enganosa, já que a composição exata dos ingredientes desse doce é considerada um segredo guardado a sete chaves. 

Há quem defenda diferenças sutis nos pasteis de natas entre as principais confeitarias especializadas de Lisboa. E talvez seja justamente a busca pelo melhor pastel de nata dessa cidade o que provoca turistas a perambularem por diferentes locais para provar o doce sucessivamente. Essa jornada faz com que esse doce popular da doçaria conventual portuguesa logo se transforme em um vício irresistível. 

Ao longo do tempo, algumas comidas se atualizam, recebem releituras ou variações com novos ingredientes. Existem algumas comidas que não necessitam nada disso. O pastel de natas é uma delas. A permanência do seu sabor secular é sempre um convite a qualquer paladar para desfrutar um sabor inesquecível de Lisboa.

Comida · Food

Even the land of pasta and pizza is surrendering to gluten-free products

Photography by Carla Rocha – pasta gluten-free – supermarket in Italy

In Italy, as in many other countries, the consumption of gluten-free foods is on the rise. Pizzerias, specialty shops, bakeries, supermarkets and even pharmacies, from the north to the south of the country, are offering increasingly diverse options of these products.

According to data from the Italian Celiac Association, there are just over 241,000 people with celiac disease in the country. However, it is estimated that the disease affects 1% of the population in Italy, as it does worldwide. There are therefore approximately 400,000 undiagnosed cases.

The total of 1% of the population with celiac disease is not enough to justify the increase of around 30% per year in the consumption of gluten-free products in the country. The widespread dissemination of a culture aimed at maintaining healthier lifestyles, in which many foods, such as those containing gluten, have been increasingly demonized even by those without celiac disease or any intolerance to this protein, perhaps explains the growing popularity of these products in the land of pasta and pizza.

Photography by Carla Rocha – Pastas gluten-free – Supermarket in Italia

It seems strange that a country so entrenched in its cuisine and certain ingredients, especially those related to the production of its main culinary items, such as wheat flour, the basis for pasta, pizza and bread, should be surrendering to gluten-free products with such enthusiasm. You don’t have to be a culinary expert to realize that gluten is also related to obtaining a certain texture and consistency for flour-based recipes. Its absence, therefore, can mean a significant alteration to these recipes and, consequently, make it impossible to make, even if idealized, the “vera pizza” or the “vera pasta”.

The increase in the consumption of gluten-free products in Italy also allows us to observe that even food cultures that, at first glance, seem to be quite refractory, change not only due to environmental, economic or social pressures, but also cultural ones. But beware! If incorporating gluten-free pasta into a recipe in Italy has been tolerated, the same cannot be said for trying to change certain combinations of pasta and sauce…

Até mesmo a terra da pasta e da pizza se rende aos produtos sem glúten

Na Itália, a exemplo do que vem ocorrendo em muitos países, cresce o consumo de alimentos sem glúten. Pizzarias, comércios especializados, padarias, supermercados e até mesmo farmácias, de norte ao sul do país, oferecem opções cada vez diversificadas desses produtos.

De acordo com dados da Associação Italiana de Celíacos, há pouco mais de 241.000 pessoas com doença celíaca no país. Entretanto, estima-se que a doença afeta 1% da população na Itália, assim como em todo o mundo. Existiriam, portanto, aproximadamente 400 mil casos ainda não diagnosticados.

O total de 1% da população da população com a doença celíaca não chega a justificar o aumento de cerca de 30% ao ano no consumo de produtos sem glúten no país. A ampla difusão de uma cultura voltada à manutenção de estilos de vida mais saudáveis, em que muitos alimentos, a exemplo dos que possuem glúten, têm sido cada vez mais demonizados até mesmo para quem não apresenta doença celíaca ou qualquer intolerância a essa proteína, talvez explique a popularidade crescente desses produtos na terra da pasta e da pizza.

Parece estranho que um país tão arraigado à sua culinária e a certos ingredientes, sobretudo aqueles relacionados àprodução de seus principais itens culinários, como é o caso da farinha de trigo, base para massas, pizzas e pães, venha se rendendo com tanto afinco aos produtos sem glúten. Não é necessário ser um expert em culinária para perceber que o glúten está também relacionado à obtenção de uma determinada textura e consistência para receitas à base de farinha. Sua ausência, portanto, pode significar uma alteração significativa dessas receitas e, consequentemente, impossibilitar a confecção, ainda que idealizada, da “vera pizza” ou da “vera pasta”. 

O aumento do consumo de produtos sem glúten na Itália também nos permite observar que até mesmo culturas alimentares que, à primeira vista, parecem ser bastante refratárias, se modificam não apenas em razão de pressões ambientais, econômicas ou sociais, mas também culturais. Mas cuidado! Se incorporar uma pasta sem glúten em uma receita na Itália tem sido algo tolerado, o mesmo não se pode dizer ao se tentar alterar determinadas combinações de pasta e de molho…

Vinho · Wine

Bourdeaux wines will become perfume?

Photography by Carla Rocha

The news that has gone viral in the world of wine in recent days is that France will destroy 80 million gallons of wine, and part of this amount is from Bourdeaux, known to be one of the most famous regions in the production of this drink. This operation will cost the French coffers about 200 million euros and alcohol will be used to make other items, such as cleaning, hygiene and perfumery products.

The question is: what explains such waste of wine? The reason would be the surplus of wines caused by the decrease in wine consumption in the country. The remaining effects of the pandemic, the war in Ukraine and the rising price of inputs for wine production (such as fertilizers and bottles), high inflation, the climate crisis and changing consumption habits, especially among the youngest, are some of the causes of the producers’ difficulties and of the surplus of wines.

If the demand for wines decreases, prices also fall. This is the logic of the market. Within this same logic is waste. Wasting all this amount produced to be able to balance the price of wine is not an absolutely new measure and nor restricted to the wine world. But times have changed.

It is important to remember that wine production is linked to a series of negative impacts. The climate crisis is becoming increasingly fierce and this is also reflected in wine production. The production of this wine to be destroyed involved environmental, social, economic costs and its transformation into other materials, will imply even more of this costs.

The crisis involving winemaking in France can be used to rethink wine production, seeking a more consistent orientation not only with the ongoing changes related to consumption, but also with the wider crisis that we are experiencing. Turning wine into perfume is just a palliative, it’s like trying to cover the sun with a sieve.

Vinhos de Bourdeaux vão virar perfume?

A notícia que viralizou no mundo do vinho dos últimos dias é que a França destruirá 80 milhões de galões de vinho, sendo que parte desse montante é de Bourdeaux, sabidamente uma das regiões mais afamadas na produção dessa bebida. Essa operação custará aos cofres franceses cerca de 200 milhões de euros e o álcool será aproveitado para a confecção de outros itens, como produtos de limpeza, higiene e perfumaria.

A pergunta é: o que explica tal desperdício de vinho? A razão seria o excedente de vinhos causado pela diminuição do consumo dessa bebida no país. Os efeitos remanescentes da pandemia, a guerra no Ucrânia e o aumento de preço dos insumos para a produção de vinhos (como o de fertilizantes e de garrafas), a alta da inflação, a crise climática e mudança de hábitos de consumo, especialmente entre os mais jovens, seriam algumas causas das dificuldades dos produtores e do excedente de vinhos.

Se a procura por vinhos diminui, os preços também caem. Essa é a lógica do mercado. Dentro dessa mesma lógica está o desperdício. Desperdiçar todo esse montante produzido para poder equilibrar o preço do vinho não é uma medida absolutamente nova e nem restrita ao mundo dos vinhos. Mas os tempos são outros. 

É importante lembrar que a produção de vinhos está relacionada a uma série de impactos negativos. A crise climática está cada vez mais acirrada e isso se reflete também na produção vitivinícola. A produção desse vinho a ser destruído envolveu custos ambientais, sociais, econômicos e sua transformação em outros materiais, implicará ainda em mais custos dessa ordem. 

A crise envolvendo a vitivinicultura na França pode ser aproveitada para se repensar a produção de vinhos, visando uma orientação mais condizente não apenas com as mudanças em curso relacionadas ao consumo, mas também com a crise de ordem mais ampla que estamos vivendo. Transformar vinho em perfume é somente um paliativo, é como tentar cobrir o sol com uma peneira. 


Comida · Food

Influencers: stop telling me what I should and shouldn’t eat!

Photography by Carla Rocha

My interest in food has turned my social media into an endless proliferation of images, videos and disjointed discourse on food. The algorithms direct me to a totally incoherent succession of posts with content that includes “practical recipes” for dishes based solely on ultra-processed foods, step-by-step instructions on how to prepare vegan cheeses or plant-based milk at home, indications of where you can buy ingredients or eat dishes considered traditional in certain regions or countries, reports on the culinary secrets of certain restaurants or chefs, countless culinary “pseudo-critics” giving tips and opinions on restaurants and dishes. 

In addition, and what impresses me most, there is also a vast amount of prescriptions and diets presented by a growing variety of “influencers” based on nutritional discourse, proclaiming what we should and shouldn’t eat in order to be healthier.

We can’t say that the proliferation of discourses around food is new. But it can be said that digital influencers have contributed to the dissemination of a lot of inconsistent information about food. They are individuals from different fields who often believe and want to make us believe that they have found a magic formula for health through food. There are also those willing to warn us of the health risks linked to the consumption of certain foods. 

The other day an “influencer” appeared in my feed warning of the risks, including liver failure, of drinking orange juice. The risks were linked to excess fructose. I thought it was a scary speech! Should I now think twice before drinking orange juice? Luckily, even though I’ve lost count of all the orange juices I’ve drunk throughout my life, my liver seems to be doing fine. 

In no previous era has there been such a diversity of food available. At the same time, especially in recent decades, our food choices have come under increasing pressure as a result of the spread of certain food ideologies. Social media has played a fundamental role in disseminating these ideologies, among which nutritionism is gaining more and more strength. 

The term nutritionism was coined by Australian researcher Gyorgy Scrinis, author of the book Nutritionism, the science and politics of nutritional counseling (2013).  By combining the words nutrition and reductionism, this author argues that reducing food to nutrients not only favours the food industry with its products and supplements that promise to meet all nutritional needs, but also promotes decontextualized eating habits and unhealthy eating patterns. 

That dessert we get used to eating at the weekend lunch with the family, the pizza we share with friends after work, the cereal that is part of our breakfast can all be summed up as portions of proteins, fats and carbohydrates? If we look at it from the point of view of Nutritionism, the answer to this question can be an absolute affirmation. 

From an early age, we learn that certain foods are important for our diet. Consuming vegetables, legumes, meat, eggs, fruit, cereals and other grains is considered synonymous with a balanced and healthy diet. But we mustn’t forget that we don’t eat simply because we’re hungry, because we need to nourish our bodies or because we have access to certain foods. Eating is also a pleasurable act, which awakens our senses through the organoleptic qualities of food (taste, smell, shape, color, consistency, etc.) and also involves various motivations, such as socializing with other people, celebrating an event, remembering the past or give continuity to certain habits that are part of our identity. 

Advances in nutritional science are certainly helping to make us healthier. The problem lies with those who misappropriate the discourses of this science in order, above all, to promote themselves at the expense of misinformation. If we possess a “wisdom of the body” that allows our organism to recognize or learn to identify foods that are good for us and those that are bad for us, as sociologist Claude Fischler argues, better to trust it than many influencers. 

Influencers: parem de dizer o que eu devo e o que eu não devo comer!

Meu interesse por comida transformou minhas mídias sociais em uma proliferação interminável de imagens, vídeos e discursos desencontrados sobre alimentação. Os algoritmos me direcionam para uma sucessão totalmente incoerente de postagens com conteúdos que incluem “receitas práticas” de pratos unicamente à base de ultraprocessados, um passo-a-passo de como se pode preparar em casa queijos veganos ou leite vegetal, indicações de onde se pode comprar ingredientes ou comer pratos considerados tradicionais em determinadas regiões ou países, relatos dos segredos culinários de alguns restaurantes ou chefs, inúmeros “pseudo-críticos” culinários dando dicas e pareceres sobre restaurantes e pratos. 

Além disso, e o que mais me impressiona, há ainda uma vasta quantidade de prescrições e dietas apresentadas por uma variedade crescente de “influenciadores” fundamentadas no discurso nutricional, proclamando o que devemos ou não ingerir para sermos mais saudáveis.

Não se pode dizer que a proliferação de discursos em torno da alimentação é uma novidade. Mas se pode afirmar que influenciadores digitais vêm contribuindo para a disseminação de muitas informações sem coerência alguma em torno da alimentação. São indivíduos de áreas diversas que muitas vezes acreditam e querem nos fazer acreditar que encontraram uma fórmula mágica de saúde através da alimentação. Há também aqueles dispostos a nos alertar para os riscos à saúde ligados ao consumo de certos alimentos. 

Outro dia apareceu no meu feed uma “influenciadora” alertando para os riscos, inclusive de falência do fígado, de se ingerir suco de laranjas. Os riscos estariam ligados ao excesso de frutose. Pareceu-me um discurso assombroso! A partir de agora devo pensar duas vezes antes de beber um suco de laranjas? Por sorte, mesmo perdendo a conta de todos os sucos de laranja que bebi ao longo da minha vida, parece que vai tudo bem com meu fígado. 

Em nenhuma época anterior tivemos tanta diversidade de alimentos disponível. Ao mesmo tempo, sobretudo nas últimas décadas, nossas escolhas alimentares têm sofrido uma pressão cada vez maior em consequência da difusão de algumas ideologias alimentares. As mídias sociais têm tido um papel fundamental na disseminação dessas ideologias, dentre as quais o nutricionismo vem ganhando cada vez mais força.

O termo nutricionismo foi cunhado pelo pesquisador australiano Gyorgy Scrinis, autor do livro Nutricionismo, a ciência e a política do aconselhamento nutricional (2013).  Através da união das palavras nutrição e reducionismo, esse autor defende que reduzir a alimentação a nutrientes, além de favorecer sobretudo a indústria alimentar com seus produtos e suplementos que prometem cumprir todas as necessidades nutricionais, promove hábitos alimentares descontextualizados e padrões alimentares não saudáveis. 

Aquela sobremesa que nos habituamos a comer no almoço de final de semana com a família, a pizza que dividimos com os amigos depois do trabalho, o cereal que faz parte do nosso café da manhã podem ser resumidos a porções de proteínas, gorduras e carboidratos? Se olharmos do ponto de vista do nutricionismo, a resposta a essa pergunta pode ser uma afirmação absoluta. 

Desde cedo, aprendemos que alguns alimentos são importantes para a nossa dieta. Não é de agora que o consumo de verduras, legumes, carnes, ovos, frutas, cereais e outros grãos é considerado sinônimo de uma dieta equilibrada e saudável. Mas não podemos esquecer que não comemos simplesmente porque temos fome, porque é necessário nutrir nosso corpo ou porque temos acesso a determinados alimentos. Comer é também um ato prazeroso, que desperta nossos sentidos a partir das qualidades organolépticas dos alimentos (gustativas, olfativas, de forma, de cor, e de consistência, etc.) e ainda envolve motivações diversas, como socializar com outras pessoas, comemorar algum evento, recordar o passado ou dar continuidade a certos hábitos que integram nossa identidade.

Os avanços da ciência nutricional certamente contribuem para nos deixar mais saudáveis. O problema reside em quem se apropria indevidamente dos discursos dessa ciência para, acima de tudo, se promover às custas da desinformação. Se possuímos uma “sabedoria do corpo” que permitia ao nosso organismo reconhecer ou aprender a identificar alimentos que nos fazem bem e os que nos fazem mal, como argumenta o sociólogo Claude Fischler, melhor confiar nela do que em muitos influencers. 

Comida · Food

Banana feeds the body and much more

Photography by Carla Rocha

I’ve always enjoyed writing and food has been an interest of mine from an early age.  It wasn’t just an interest in learning how to handle food, tasting recipes or understanding the chemistry that happened inside the pots. It was something that went beyond that.

I remember that on one occasion my younger sister, who thought she didn’t have much skill with writing, asked me to write an essay for her school. I must have been about twelve years old and I accepted without blinking. My first written to order? More than that! They say that we should look back to childhood to understand the choices we make throughout our lives. Well, looking at it this way, maybe I was taking my first steps as a food writer. 

The essay had a free theme. So I decided to write entirely about banana. I remember that it was a very funny, humorous and very provocative text. I made a sort of elegy to the banana, put it on a majestic pedestal, even using some rhymes.

I don’t remember exactly what led me to choose this theme. Apart from my interest in food, maybe it was because it seemed easy to write about a basic item of my daily life, something that was quite common and also valued in our family diet in a tropical and banana-producing country like Brazil.

At that time I had no idea that, just like in Brazil, bananas are not only valued for their taste or nutritional value, but are a staple food in many regions of many countries. It is also the most consumed fruit around the world. Being a very versatile food, banana can be eaten raw, boiled, fried, and also compose recipes for cakes, sweets, breads and various dishes. 

Its history is more than seven thousand years old and it was one of the first plants cultivated by humans. From Asia the banana was taken to Africa and other countries around the world. Similar to what happened with many other foods, the spread of banana is also directly linked to colonization processes. In Brazil, for example, this fruit began to be cultivated from the 15th century, brought by the Portuguese. 

The development of transportation and improved refrigeration techniques were also factors that contributed to the transformation of banana from an exotic and luxury food to an everyday food. In the United States, it was precisely from the refrigerated transportation by railroads and faster ships that bananas appeared in the markets from the 19th century. 

In addition to nourishing the body, banana also feed imaginations. Lorna Piatti-Farnell describes very well and presents several examples of how the banana has not only integrated mythological tales, but has also become an icon present in popular culture through music, television, comics and also in the world of fashion, art, inspiring paintings, musical pieces and movie soundtracks. Its playful shape, phallic form and association with the exotic have also contributed to its popularity around the world. 

Today I think it was not unusual to choose a fruit like the banana (Musa) to be, literally, my inspirational muse for that text. The banana is not only a sweet, delicious fruit or the one we had the most access to in childhood. Its uniqueness perhaps lies in its omnipresence and, at the same time, in being something that is part of the good and simple things of life without distinction of social class.

Many years later, I am again dedicating a few lines to this fruit, which continues to nourish me both from a physical and imaginary point of view. From that first text, I remember the pleasure of writing about the banana and also the satisfaction of knowing that the text had been approved by my sister’s teacher. I don’t know if this was decisive for me to never lose my taste for eating bananas, but I am sure that it contributed to the banana and so many other foods to continue as sources of inspiration for my writing.

A banana alimenta o corpo e muito mais

Sempre gostei de escrever e a comida desde cedo me despertava muito interesse.  Não era apenas um interesse em aprender a manusear os alimentos, a provar receitas ou entender a química que acontecia dentro das panelas. Era algo que ia mais além.

Lembro-me que em uma oportunidade minha irmã mais nova, que pensava não ter muita habilidade com a escrita, pediu-me para escrever uma redação para a sua escola. Eu devia ter uns doze anos e aceitei sem pestanejar. Minha primeira escrita sob encomenda? Mais do que isso! Dizem que devemos olhar para infância para entender as escolhas que fazemos ao longo da vida. Pois bem, olhando assim, talvez ali eu estivesse trilhando meus primeiros passos para escrever sobre comida. 

O tema da redação era livre. Decidi então escrever inteiramente sobre a banana. Lembro-me que era um texto muito divertido, bem humorado e muito provocativo. Eu fiz uma espécie de elegia à banana, a coloquei em um pedestal majestoso, usando até algumas rimas.

Não me lembro exatamente o que me levou a escolher esse tema. Além de meu interesse pela comida, talvez fosse porque me parecia fácil escrever sobre um item básico do meu cotidiano, algo que era bastante comum e também valorizado na nossa alimentação familiar em um país tropical e produtor de bananas, como é o Brasil.

Nessa época ainda não fazia ideia de que, assim como no Brasil, a banana não é apenas valorizada por seu sabor ou valor nutricional, mas é um alimento básico em muitas regiões de diversos países. É também a fruta mais consumida ao redor do mundo. Sendo um alimento bastante versátil, a banana pode ser consumida crua, cozida, frita, e também compor receitas de bolos, doces, pães e pratos variados. 

Sua história tem mais de sete mil anos e foi uma das primeiras plantas cultivada pelos humanos. Da Ásia a banana foi levada para a África e outros países ao redor do mundo. Similar ao que ocorreu com muitos outros alimentos, a disseminação da banana está também diretamente ligada aos processos de colonização. No Brasil, por exemplo, essa fruta passou a ser cultivada a partir do século 15, trazida pelos portugueses. 

O desenvolvimento dos transportes e de técnicas de refrigeração mais aprimoradas foram fatores que também contribuíram para a transformação da banana de um alimento exótico e de luxo para um alimento cotidiano. Nos Estados Unidos, foi justamente a partir do transporte refrigerado por ferrovias e navios mais rápidos que as bananas apareceram nos mercados a partir do século 19.

Além de nutrir o corpo, a banana também alimenta imaginários. Lorna Piatti-Farnell descreve muito bem e apresenta diversos exemplos de como a banana integrou não apenas contos mitológicos, mas tornou-se ainda um ícone presente na cultura popular através da música, televisão, quadrinhos e também no mundo da moda, da arte, inspirando pinturas, peças musicais e trilhas sonoras de filme. Sua forma divertida, seu formato fálico e sua associação com o exótico também contribuíram para a sua popularidade ao redor do mundo. 

Hoje penso que não foi algo incomum eleger uma fruta como a banana (Musa) para ser, literalmente, minha musa inspiradora para aquele texto. A banana não é somente uma fruta doce, deliciosa ou a que tínhamos maior acesso na infância. Sua singularidade talvez resida na sua onipresença e, ao mesmo tempo, em ser algo que faz parte dascoisas boas e simples da vida sem distinção de classe social. 

Muitos anos depois, estou novamente dedicando algumas linhas à essa fruta, que segue me nutrindo tanto de um ponto de vista físico quando do imaginário. Daquele primeiro texto, guardo na memória o prazer de escrever sobre a banana e também a satisfação de saber que o texto tinha sido aprovado pela professora de minha irmã. Não sei se isso foi decisivo para que eu nunca tenha perdido o gosto por comer bananas, mas tenho certeza que contribuiupara que a banana e outros tantos alimentos sigam como fontes de inspiração para a minha escrita.

Vinho · Wine

Wine, Cinema and The Unbearable Lightness of Being

One of my first experiences related to wine and cinema, and I must confess, an essentially hedonistic experience, took place in 1988. I had just moved to Porto Alegre (RS) and going to the movies was one of the cultural activities that most familiarized me with the city. As soon as it opened, I went to see The Unbearable Lightness of Being, a movie based on the work of the same name by Milan Kundera, a Czech author who died this week.

I had already read the book, which made me go to the cinema with some expectation of seeing scenes on screen that I had only created in my imagination. The story is set in the former Czechoslovakia in 1968, the year marked by the “Prague Spring”. Its central characters, played by Juliette Binoche, Daniel Day-Lewis and Lena Olin, while living intensely the experience of a love triangle, suffer the impact of the oppressive political context of that period.

As Paul Virilio explains in his book “War and Cinema”, the power of cinematographic images, since their inception, lies in the illusion of proximity they give the viewer, within a coherent temporal unit, although in reality the images are demarcated by a time lag.

I remember that many of the dialogues in the movie were watered with wine. And precisely because it was undeniable that closeness that Virilio speaks of, I felt a certain frustration for being only a voyeur, since the scenes in the movie aroused a huge desire to also drink wine at that time. 

Days later, I met a friend who had not yet seen the movie and agreed to watch it again with him. At the scheduled time, I decided to make a surprise, taking two glasses and a bottle of wine to the cinema, imagining that my friend would certainly feel the same desire to drink wine “together” with the protagonists of the movie.  And that’s exactly what happened.

There were few people in that session, which made us more comfortable to drink.  As in the movie, it was winter and the night was especially cold in the capital of Rio Grande do Sul. Drinking in the cinema, while watching the movie, was not only the feeling of sharing the same environment with the protagonists, but also a feeling of being able to cross the screen and enter the same pace of the unfolding of those scenes, even if they were produced in another space of time.

Certainly, my experience of drinking wine at the cinema was not something original. In addition, the relationship between wine and cinema can be seen or experienced from other angles.  Several films have told us stories of the world of wines either through fiction or documentaries.  Sideways (2004), Corked (2009), Bottle Shock. (2008), Soom (2013), Mondovino (2005), Sour Grapes (2016), A year in Champagne (2015), Red Obsession (2012) are some examples. 

Cinema contributes to the construction of diverse imaginaries related to wines. Cinematic images exalted the experience of drinking wine as something directly connected to life, everyday life, pleasure, social life, love, sex, politics, oppression, landscapes, poetry, among many other possibilities. 

Whether through fiction or documentaries, the effects of cinema can also produce experiences linked to wine that, if accompanied by a good bottle of this drink, can be even more striking.

Vinho, cinema e a Insustentável Leveza do Ser

Uma de minhas primeiras experiências relacionadas a vinho e cinema, e devo confessar, uma experiência essencialmente hedonista, aconteceu em 1988. Tinha recém me transferido para Porto Alegre (RS) e ir ao cinema era uma das atividades culturais que mais me ambientavam à cidade. Logo que estreou, fui assistir A Insustentável Leveza do Ser, filme baseado na obra homônima de Milan Kundera, autor tcheco que faleceu nesta semana. 

Já havia lido o livro, o que me fez ir ao cinema com alguma expectativa de visualizar na tela cenas que eu havia criado apenas em meu imaginário. A história é ambientada na  antiga Tchecoslováquia, em 1968, ano marcado pela “Primavera de Praga”. Seus personagens centrais, interpretados por Juliette Binoche, Daniel Day-Lewis e Lena Olin, ao mesmo tempo em que vivem intensamente a experiência de um triângulo amoroso, sofrem o impacto do contexto político opressor daquele período. 

Como explica Paul Virilio no livro “Guerra e Cinema”, o poder das imagens cinematográficas, desde seu início, reside na ilusão de proximidade que dão ao espectador, dentro de uma unidade temporal coerente, embora, na realidade, as imagens sejam demarcadas por uma defasagem temporal. 

Lembro que muitos dos diálogos do filme eram regados a vinho. E justamente porque era inegável aquela proximidade de que fala Virilio, eu sentia uma certa frustração por estar somente de voyeur, já que as cenas do filme me despertavam uma enorme vontade de também beber vinho naquele momento. 

Dias depois, encontrei um amigo que ainda não havia assistido ao filme e combinei de assisti-lo novamente com ele. No horário marcado, resolvi fazer uma surpresa, levando duas taças e uma garrafa de vinho para o cinema, imaginando que meu amigo certamente sentiria a mesma vontade de beber vinho “junto” com os protagonistas do filme. E foi exatamente o que aconteceu.

Havia pouca gente naquela sessão, o que nos deixou mais à vontade para beber. Assim como no filme, era invernoe a noite estava especialmente fria na capital gaúcha. Beber no cinema, enquanto assistíamos ao filme, era não apenas a sensação de compartilhar o mesmo ambiente com os protagonistas, mas também uma sensação de poder atravessar a tela e entrar no mesmo compasso do desenrolar daquelas cenas, ainda que tivessem sido produzidas em um outro espaço de tempo.  

Certamente, essa minha experiência de beber vinho no cinema não foi algo original. Além disso, a relação entre vinho e cinema pode ser vista ou vivida a partir de outros ângulos. Diversos filmes nos contaram histórias do mundo dos vinhos seja através da ficção ou de documentários. Sideways (2004), Corked (2009), O julgamento de Paris (2008), Soom (2013), Mondovino (2005), Sour Grapes (2016), Um ano em Champagne (2015), Red Obsession(2012) são alguns exemplos. 

O cinema colabora para a construção de imaginários diversos relacionados a vinhos. Imagens cinematográficas exaltaram a experiência de beber vinho como algo diretamente conectado à vida, ao cotidiano, ao prazer, ao convívio social, ao amor, ao sexo, à política, à opressão, às paisagens, à poesia, entre outras tantas possibilidades. 

Seja através da ficção ou de documentários, os efeitos do cinema também podem produzir experiências ligadas ao vinho que, se acompanhadas de uma boa garrafa dessa bebida, podem ser ainda mais marcantes. 

Comida · Food

Chocolate may not be as sweet as it seems

Photography by Carla Rocha

On July 7, World Chocolate Day is celebrated. Its scientific name comes from the Greek, Theobroma cacao, and means “food of the gods”. This name makes a lot of sense for a food that, throughout its history, has conquered the most diverse palates around the world. 

The cocoa plant is believed to have originated in the Amazon some 4,000 years ago. In Central and South America, cocoa beans were considered valuable as food and also as a currency and religious symbol. 

Before the Spanish invasion of Mexico and central America in the 16th century, chocolate was a drink restricted to Aztec emperors and warriors. When it was brought to Europe by the Spanish, cocoa followed its trajectory as a food consumed by the elites and began to be used in different ways in different European countries. The Spanish nobility considered him a powerful aphrodisiac. In the words of historian Linda Civitello, it was the “Viagra of the sixteenth century”.  

For most of its history, chocolate was consumed in drink form. The solid and sweet form we know only emerged in the 19th century, resulting from industrialization. In 1828, the Dutchman Van Houten, from the processes of degreasing and alkalizing cocoa, enabled the large-scale manufacture of chocolate, both in powder and solid form, leading to the expansion of its manufacture in other European countries and the popularization of its consumption.

As chocolate became popular, its quality began to decline, especially due to adulterations. Cocoa butter, a central raw material for its manufacture, has become increasingly valued in the pharmaceutical and cosmetic industry.   Because of this, it was replaced in the manufacture of chocolates by other cheaper and lower quality vegetable fats.

In addition to adulteration, the popularization of chocolate has also set other problems, such as accelerated deforestation, especially in African countries, and the use of child labor in slavery in the cocoa harvest. 

Slave labour on cocoa plantations is not exactly new. Since the Spanish invasion of Central America and Mexico, local communities have been forced into this type of work. In 19th century Brazil, cocoa cultivation already involved slave labor. When cocoa seedlings were brought to the African continent of South America, around 1800, this reality gained other dimensions. 

The documentary The Dark Side of Chocolate (2010) showed the trafficking and forced labor of children in countries of the African continent, but this is a reality that also affects other countries including Brazil. The exploitation of the work of children and adolescents in slavery in the cocoa production chain is a reality, especially in Pará and Bahia, the country’s main cocoa producing states. 

Chocolate can still be considered a food of the gods, but its enormous ecological and social costs force us to see that its taste may not be as sweet as it seems.

O Chocolate pode não ser tão doce como parece

No dia sete de julho comemora-se o dia mundial do chocolate. Seu nome científico vem do grego, Theobroma cacao, e significa “alimento dos deuses”. Esse nome faz muito sentido para um alimento que, ao longo da sua história, conquistou os mais diversos paladares ao redor do mundo. 

Acredita-se que a planta do cacau tenha se originado na Amazônia há cerca de 4.000 anos. Nas Américas Central e do Sul, as sementes de cacau eram consideradas valiosas como alimento e também como moeda e símbolo religioso. 

Antes da invasão espanhola ao Mexico e América central, no século 16, o chocolate era uma bebida restrita a imperadores e guerreiros astecas. Quando foi levado para a Europa pelos espanhóis, o cacau seguiu sua trajetória como alimento consumido pelas elites e passou a ser utilizado de formas diversas em diferentes países europeus. A nobreza espanhola o considerava um afrodisíaco poderoso. Nas palavras da historiadora Linda Civitello, era o “Viagra do século XVI”.  

Na maior parte da sua história, o chocolate era consumido em forma de bebida. A forma sólida e adocicada que conhecemos somente surgiu no século 19, resultante da industrialização. Em 1828, o holandês Van Houten, a partir dos processos de desengorduramento e alcalinização do cacau, possibilitou a fabricação em larga escala de chocolate, tanto em pó quanto em forma sólida, levando à expansão de sua fabricação em outros países europeus e à popularização do seu consumo. 

À medida que o chocolate se popularizou, sua qualidade começou a declinar, sobretudo em razão de adulterações. A manteiga de cacau, matéria prima central para a sua confecção, passou a ser cada vez mais valorizada na indústria farmacêutica e cosmética.  Em razão disso, foi substituída na fabricação de chocolates por outras gorduras vegetais mais baratas e de menor qualidade.

Além da adulteração, a popularização do chocolate também configurou outras problemáticas, como o desmatamento acelerado, especialmente em países africanos,  e a utilização do trabalho infantil em regime de escravidão na colheita do cacau. 

O trabalho em regime de escravidão nas plantações de cacau não é algo propriamente novo. Desde a invasão dos espanhóis às Américas Central e México, comunidades locais foram forçadas a esse tipo de trabalho. No Brasil do século 19, o cultivo do cacau já envolvia o trabalho escravo. Quando mudas de cacau foram levadas para o continente africano da América do Sul, por volta de 1800, essa realidade ganhou outras dimensões. 

O documentário The Dark Side of Chocolate (2010) mostrou o tráfico e o trabalho forçado de crianças em países do continente africano, mas essa é uma realidade que também atinge outros países incluindo o Brasil. A exploração do trabalho de crianças e adolescentes em regime de escravidão na cadeia produtiva do cacau é uma realidade,sobretudo no Pará e na Bahia, principais estados produtores de cacau do país. 

O chocolate pode ainda ser considerado um alimento dos deuses, mas seus enormes custos ecológicos e sociais nos obrigam a enxergar que seu sabor pode não ser tão doce como parece. 

Vinho · Wine

 Port wine, the Douro and its stories 

Photography by Carla Rocha – Winery in Vila Nova de Gaia

The opportunity to drink a wine where it is produced always seems special to me. It’s like eating fruit right after picking it from the tree. In the case of a wine, drinking it where it is produced gives you the feeling of being part of its history, even if only on an imaginary level. Port wine is a case in point. Drinking port on the banks of the Douro is different from drinking port anywhere else.

Wine production in Portugal dates back to Roman times. Wine production in the Alto Douro is more recent. Port wine, classified as a fortified wine, can be produced from a variety of grapes, although the most common are Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Franca, Tinta Cão and Tinta Barroca.

The history of this wine is marked above all by the political alliances and commercial relations between Portugal and England, the main importer of Portuguese wines since the 14th century. The commercial partnership between these countries resulted mainly from the sanctions imposed on France by England as a result of the European wars, including the one fought between the two countries, which became known as the longest in history: the Hundred Years’ War.

The expansion of vineyards in the Alto Douro occurred mainly as a result of the popularity of Port wine in England during the 18th and 19th centuries. In the mid-18th century, most of the wine imported into England came from Portugal. A large portion of this wine was already supplied by the Douro Valley.

At the time, the quality of the wines suffered greatly, partly due to widespread adulteration. Because of this, cognac was added to the barrels before they were sent to England in order to preserve the wine. Concern about the quality of the region’s wines also led to the Douro Valley becoming the world’s first Controlled Designation of Origin in 1756.

Photography of Carla Rocha Landscape of the city of Porto from Vila Nova de Gaia

 

In the city of Porto, close to the banks of the Douro, on the opposite bank of the river, in Vila Nova de Gaia, you can already see the signs of the large winery warehouses, where English merchants have left their wines to mature in barrels since the 18th century. A bridge, which can be crossed on foot, separates the two cities. When you cross it, you can visit some of the wineries and do tastings.

You can also choose to sit in one of the bars on the banks of the Douro, in Vila Nova de Gaia, and contemplate the landscape of the river, the city of Porto and the imagery of the past over a glass of Port wine. After all, the past is always imagined.

Vinho do Porto, o Douro e suas histórias

A oportunidade de beber um vinho onde ele é produzido me parece sempre algo especial. É como comer uma fruta logo após colhê-la ao pé da árvore. No caso de um vinho, bebendo onde ele é produzido podemos ter a sensação de fazer parte da sua história, ainda que num plano imaginário. O vinho do Porto é um exemplo. Beber um porto às margens do Douro é diferente de beber um porto em qualquer outro lugar. 

A produção vitivinícola em Portugal remonta a época romana. Já a produção de vinhos do Alto Douro é mais recente. O vinho do porto, classificado como vinho fortificado, pode ser produzido a partir de diversas uvas, embora as mais referenciadas sejam a Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Franca, Tinta Cão e a Tinta Barroca. 

A história desse vinho é demarcada sobretudo pelas alianças políticas e relações comerciais entre Portugal e Inglaterra, principal país importador dos vinhos portugueses desde o século 14. A parceria comercial entre esses países resultou principalmente das sanções impostas à França pela Inglaterra, em razão das guerras europeias, entre elas, aquela travada entre ambos os países, que ficou conhecida como a mais longa da história: a Guerra dos Cem Anos. 

A expansão das videiras no Alto Douro ocorreu sobretudo em consequência da popularidade do vinho do Porto na Inglaterra durante os séculos 18 e 19. Em meados do século 18, a maior parte do vinho importado para a Inglaterra vinha de Portugal. Uma parcela grande desse vinho já era fornecida pelo vale do Douro.

À época, a qualidade dos vinhos era bastante afetada, em parte, devido à adulteração generalizada. Em razão disso, antes de serem enviados para a Inglaterra, adicionava-se conhaque aos barris com objetivo de se preservar o vinho. A preocupação com a qualidade dos vinhos dessa região também fez com que no ano de 1756 o Vale do Douro tenha se tornado a primeira Denominação de Origem Controlada do mundo. 

Na cidade do Porto, próximo às margens do Douro, já se pode avistar na margem oposta do rio, em Vila Nova de Gaia, os letreiros dos grandes armazéns das vinícolas, onde mercadores ingleses deixavam os vinhos para maturar em barricas desde o século 18. Uma ponte, que pode ser cruzada a pé, separa as duas cidades. Ao atravessá-la, é possível conhecer alguns desses empreendimentos e fazer degustações.  

Pode-se também optar por sentar em um dos bares à beira do Douro, em Vila Nova de Gaia, e contemplar a paisagem do rio, a da cidade do Porto e dar vazão a imaginários do passado saboreando uma taça de vinho do Porto. Afinal, o passado é algo sempre imaginado.